Folha de S. Paulo


Carisma fez de Obama o presidente mais pop em Hollywood desde Kennedy

O anúncio era intitulado simplesmente "Celeb". Com apenas 30 segundos de duração, começava por colocar numa montagem a imagem de Barack Obama –semanas antes de ser indicado o candidato democrata à presidência, ao lado de Britney Spears e Paris Hilton–, e em seguida criticava a política tributária e energética que ele defendia.

No início de agosto de 2008, quando parecia que nada poderia impedir a ascensão de Obama à Presidência, o comercial calou fundo com os eleitores. E, quando Obama sofreu uma queda subsequente nas pesquisas de intenção de voto, muitos especialistas –incluindo Tom Daschle, seu mentor e assessor de campanha– atribuíram o fato a "Celeb".

Olivier Douliery - 25.abr.2015/Efe
Presidente Barack Obama com a primeira-dama, Michelle, e a atriz Cecily Strong, do 'Saturday Night Live', no jantar dos correspondentes da Casa Branca
Presidente Barack Obama com a primeira-dama, Michelle, e a atriz Cecily Strong, do 'Saturday Night Live', no jantar dos correspondentes da Casa Branca

A que se deveu o sucesso do anúncio? Essencialmente ao fato de identificar um receio sentido por todos menos os partidários mais fervorosos de Obama: que os eleitores estivessem demasiado seduzidos por seu discurso e seu carisma, nenhum dos quais se traduziria necessariamente em vitórias políticas.

Apesar de seu êxito inicial, porém, o comercial não conseguiu descarrilar o trem de Obama (possivelmente porque John McCain solapou sua grande vantagem que o comercial visava destacar, a experiência, ao nomear uma governadora em exercício como sua colega de chapa, apenas alguns dias depois). Mesmo assim, ainda há algo nele que chama a atenção.

Como Britney Spears e Paris Hilton, Obama possui carisma, e seu relacionamento com a comunidade de celebridades foi e é um dos grandes trunfos de sua presidência.

Na realidade, nos últimos sete anos Obama presidiu sobre uma grande barganha entre Washington e Hollywood que aproximou mais do que nunca essas duas grandes forças culturais.

Washington não é mais a "Hollywood dos feios", como diz o ditado popular. Hoje em dia, Washington e Hollywood são quase indistinguíveis.

Para começar, observe como o jantar dos correspondentes da Casa Branca (o evento é conhecido pela sigla WHCD), em abril, se transformou rapidamente em um evento com tapete vermelho.

O jantar foi criado para promover a transparência e o acesso de jornalistas; os órgãos de mídia eram orientados a chamar suas melhores fontes para o evento para promoverem a construção de relacionamentos. Nos últimos anos, porém, o jantar se converteu em um evento cheio de estrelas e reúne personalidades de Washington e de Hollywood.

Os órgãos de mídia fazem tudo para conseguir as celebridades mais famosas do momento em suas mesas, e o jantar virou a atração principal de uma semana inteira de festas e outros eventos glamorosos.

Essa mudança na cultura do WHCD levou o jornalista político Patrick Gavin, que documentou o evento em seu filme recente "Nerd Prom", a apelidar o jantar de "o Oscar de DC", em referência à sigla pela qual a capital federal americana é conhecida.

Assim, não foi surpresa quando, em 2013, a E! Network começou a fazer a cobertura ao vivo de seu tapete vermelho, fazendo do jantar o único evento em Washington ou em Hollywood onde é possível ver John McCain e Kim Kardashian na mesma imagem.

Seria difícil imaginar o WHCD convertendo-se nesse grande evento de celebridades sem Obama. Não é apenas o fato de astros e estrelas de Hollywood quererem vir se aquecer em sua aura (Gwyneth Paltrow: "Você é tão bonito que nem consigo falar direito"). Em vez disso, o que mudou foi que, com seu carisma e seu timing cômico, Obama tornou o evento mais interessante.

Espera-se dos presidentes que contem algumas piadas durante o jantar, mas essa tradição anual antes era algo que apenas arrancava alguns risos educados dos presentes. Mas o dom que Obama possui de fazer humor tornou suas piadas o grande destaque da noite. O presidente chega a deixar os humoristas pagos em segundo plano. Patrick Gavin observou que, em 2010, Obama arrancou mais gargalhadas do que Jay Leno.

Com tantas figuras de Washington e de Hollywood andando juntas hoje em dia, é inevitável que sejam fechados acordos. Na era de Obama, os contatos entre o governo e os setores do cinema e da televisão têm sido constantes. Embora não seja inusitado um redator de discursos políticos levar seu talento a Hollywood (ex-redatores da Casa Branca escreveram o clássico de Robert Redford "O Candidato" e o subestimado "Um Distinto Cavalheiro", com Eddie Murphy), isso geralmente acontece depois de a campanha eleitoral ou a administração ter chegado ao fim.

Não é o caso da equipe de Obama. Seu redator principal de discursos, Jon Favreau (não confundir com o homônimo diretor de "Homem de Ferro"), virou celebridade também durante o primeiro mandato de Obama (sua vida amorosa era coberta regularmente pela imprensa do Capitólio); assim, quando deixou a administração para virar roteirista, pareceu apenas apropriado. A transição não está sendo fácil; sua página no IMDb continua vazia.

Para seu colega Jon Lovett, as coisas vêm sendo mais fáceis. Depois de deixar a Casa Branca, ele produziu uma sitcom -que teve vida curta-sobre, isso mesmo, a Casa Branca, intitulada "1600 Penn", e foi assessor e roteirista na última temporada de "The Newsroom". Nenhum dos dois chegou a ser exatamente um sucesso, mas os dois pelo menos foram ao ar.

SCARLETT, CLOONEY ETC.

É claro que a influência se faz sentir nos dois sentidos, e Obama inspirou mais celebridades jovens a engajar-se no processo político que qualquer presidente na memória viva.

No caso mais famoso, o ator Kal Penn, do seriado "House" e da franquia "Harold & Kumar" ("Madrugada Muito Louca"), suspendeu sua carreira lucrativa para trabalhar para a administração Obama como diretor adjunto de compromissos públicos. Ele foi a única celebridade a trabalhar profissionalmente para a administração, mas Obama já convenceu muitas outras a doar seu tempo de modo voluntário. A atriz Eva Longoria, de "Desperate Housewives", copresidiu o setor de relações com a comunidade hispânica na campanha de reeleição de Obama, em 2012, e Scarlett Johanssen fez um discurso eloquente e elegante na convenção nacional do Partido Democrata nesse ano.

Alex Wong - 6.set.2012/AFP
A atriz Scarlett Johansson durante a convenção democrata, em 2012; ela é apoiadora do presidente Obama
A atriz Scarlett Johansson durante a convenção democrata, em 2012; ela é apoiadora do presidente Obama

Enquanto isso, dezenas de celebridades, desde Katy Perry a Mark Ruffalo, saíram às ruas para convencer jovens a se cadastrarem para ter seguro saúde, sob a lei Obamacare.

Uma celebridade chegou a conquistar a amizade pessoal do presidente, fato raro nas relações entre Washington e Hollywood. George Clooney e Obama parecem reconhecer um no outro um espírito irmão; ambos possuem carisma inato e um senso inabalável de dever cívico.

Seu "bromance" (amizade estreita entre homens) parece ser genuíno, mas também tem sido benéfico para ambos. Obama proporcionou a Clooney o tipo de acesso direto à Presidência com que a maioria dos cidadãos só pode sonhar.

Ele e Clooney tiveram vários encontros particulares para discutir a situação em Darfur (a questão com que Clooney mais se engaja), e Clooney chegou a sentar-se à mesa de Obama num jantar de Estado para David Cameron. Em troca, Clooney defendeu Obama quando alguns de seus colegas liberais de Hollywood –incluindo Matt Damon, seu colega de elenco em "Onze Homens e Um Segredo"– criticaram o presidente publicamente por sua falta de resultados.

Antes da eleição de 2012, Clooney disse à ABC News: "Estou desiludido com as pessoas que estão desiludidas com Obama... Acredito firmemente em defender e ficar ao lado das pessoas que você elegeu."

Mas Clooney fez mais que apenas conscientizar o público sobre as vitórias de Obama: ele levantou fundos. E muitos. Seu evento de levantamento de fundos em 2012 foi o maior da história política, arrecadando pelo menos US$12 milhões de celebridades e líderes de Hollywood como Jeffrey Katzenberg, Robert Downey Jr e JJ Abrams. O evento superou o recorde anterior de US$11 milhões, marcado em 2008 com um evento de levantamento de fundos para Obama comandado por Barbra Streisand.

O apoio financeiro de Clooney ao presidente foi indicativo de uma tendência mais ampla, demonstrando outra maneira pela qual se estreitou o vínculo entre Hollywood e Washington. Na prática, a comunidade de Hollywood tornou-se uma ala financeira do Partido Democrata, muito necessária na era de faroeste do levantamento de fundos políticos desencadeada pelo Citizens United (o processo judicial Cidadãos Unidos vs. Comissão Eleitoral Federal, envolvendo a regulamentação dos gastos partidários de campanha).

Hollywood é o único setor cujos líderes continuam a ser fortemente pró-democratas, e Obama, dotado de mais "star power" que qualquer outro presidente democrata desde JFK, capturou sua atenção plenamente.

A lista de celebridades que apoiaram sua candidatura publicamente é longa e abrangente, e muitas o fizeram também com dinheiro. Entre outros, Steven Spielberg, Judd Apatow, Adrien Greiner, Harvey Weinstein, Scarlett Johansson, Tom Hanks e Seth Rogen – todos contribuíram o valor máximo permitido pela Comissão Eleitoral Federal à campanha de Obama e ao Comitê Democrata Nacional.

É provável que essa relação continue mesmo depois que Obama se for. Astros de Hollywood compareceram em peso para apoiar Alison Lundergan Grimes em sua campanha fracassada ao Senado, em que ela tentou derrotar Mitch McConnell, então o líder da minoria no Senado, e parece claro que eles terão papel importante na campanha de Hillary Clinton.

Também é fácil imaginar que, depois de deixar a Presidência, Obama terá valor enorme para seu partido, levantando recursos em Hollywood para vários candidatos.

Mas nem Washington nem Hollywood parou de evoluir, e o futuro da parceria entre eles é incerto. Está claro que, se um republicano chegar à Presidência em 2016, o entusiasmo de muitas celebridades de Hollywood vai arrefecer.

Existem alguns astros republicanos bem conhecidos -vêm à mente os nomes de Vince Vaughn, Adam Sandler e Dwayne "The Rock" Johnson–, mas eles não existem em número suficiente para gerar o tipo de relacionamento mutuamente benéfico que une a Hollywood liberal à administração democrata.

Em outras palavras, não visualizo The Rock deixando seu trabalho habitual para trabalhar para a Casa Branca –pelo menos não enquanto não chegar um presidente republicano transformador, que seja capaz de rivalizar com Obama em magnetismo. Sempre existe a chance de que um ator como Johnson se converta nessa figura motivadora, como fez Ronald Reagan.

HILLARY?

Mesmo que outro democrata conquiste a Presidência, ele ou ela terá que trabalhar muito para conservar o tipo de relacionamento que era tão fácil para Obama. Os Clinton, por exemplo, sempre tiveram amigos em Hollywood, mas nem Bill nem Hillary inspira o mesmo tipo de entusiasmo fervoroso que Obama.

Por exemplo, os melhores amigos celebridades dos Clinton são os atores Ted Danson e Mary Steenburgen, ambos os quais foram grandes astros – 20 anos atrás. E uma análise recente da revista "Hollywood Reporter" concluiu que os grandes nomes de Hollywood não estão exatamente aderindo a Hillary em peso.

Até recentemente, muitas celebridades estavam publicamente incentivando a senadora Elizabeth Warren a entrar na disputa -algo que deve ser visto como rejeição tácita da pré-candidata favorita–, enquanto outros apoiam Martin O'Malley, governador do Estado de Maryland.

Segundo a "Hollywod Reporter", algumas chegaram a preparar-se para apoiar Joe Biden, caso ele se decida a se candidatar. Não está claro quanto apoio o senador Bernie Sanders vai receber de celebridades, mas, como o mais progressista dos pré-candidatos, sua plataforma deve agradar aos liberais de Hollywood.

Tudo isso é outra maneira de dizer que nenhum candidato vai poder suscitar o entusiasmo de Hollywood como Obama fez. Obama pode esperar que o relacionamento estreito que ele formou com Hollywood seja um legado duradouro para seu partido, mas só o tempo dirá se essa será a nova normalidade ou se Washington voltará a ser apenas feia.

Tradução de CLARA ALLAIN


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