Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Diretor atesta segurança no comando do longa 'O Homem que Elas Amavam Demais'

Reconstituir um caso real, um crime rumoroso, de modo a ressaltar o aspecto ficcional da história, perdida ao se transformar em notícia. Se a proposta não chega a ser inovadora, a segurança com que o veterano diretor francês André Téchiné a conduz em "O Homem que Elas Amavam Demais" alcança um resultado incomum.

O cineasta toma como base o desaparecimento de Agnès Le Roux, jovem filha da proprietária de um cassino na Riviera Francesa, ocorrido em meados dos anos 1970 e até hoje sem solução.

O título "O Homem que Elas Amavam Demais" combina a incontornável matriz Truffaut do cinema francês com um mistério de inspiração hitckcockiana. Téchiné, contudo, recusa a opção do pastiche para retrabalhar os motivos que dão sustento a seu cinema há décadas com pequenas variações.

Divulgação
Créditos: Divulgação Legenda: Cena do filme “O Homem que Elas Amavam Demais
Cena do filme “"O Homem que Elas Amavam Demais"

GRADAÇÕES

Do mesmo modo que em "A Moça do Trem" (2009), também baseado num crime que alimentou por um tempo a crônica policial, o diretor se interessa menos pelos fatos e mais em percorrer as gradações que culminam na situação criminal.

Em vez de uma narrativa policialesca preocupada em investigar, reconstruir para no fim determinar um culpado, "O Homem que Elas Amavam Demais" prefere se deter nos jogos de poder sem pretender decifrar os subterrâneos da psicologia.

Como em "O Lugar do Crime" (1986) e em "Os Ladrões" (1996), os personagens de Téchiné cedem à atração pela marginalidade, percebem o risco como uma alternativa ao tédio ou ao excesso de normalidade.

MATURIDADE

Catherine Deneuve reaparece como atriz-fetiche do cineasta, mas desta vez não é ela que segue os impulsos e mergulha no lado selvagem.

No papel da aristocrática Renée Le Roux, a estrela francesa interpreta a mãe contrariada pela filha movida pela paixão. Mais que prestígio, Deneuve empresta sua maturidade ao filme e oferece um contraste à natureza impulsiva de Agnès, interpretada por Adèle Haenel, vista há pouco em "Amor à Primeira Briga" (2014), dirigido por Thomas Cailley.

O personagem-título ganha consistência na aparência ambivalente de Maurice Agnelet (Guillaume Canet), cujo ar de bom moço, o cordeiro a que seu sobrenome alude, esconde a astúcia de um advogado que não demonstra reconhecer limites.

Em torno dele, as mulheres gravitam movidas por interesses afetivos, materiais ou passionais. Téchiné, no entanto, prefere esvaziar o personagem de qualquer charme, o que garante que ele se mantenha opaco e misterioso.

Se o estilo distanciado do cineasta pode frustrar quem busca uma ficção policial convencional, ele permite capturar numa forma depurada os movimentos de atração e repulsão, deixando na sombra as explicações e a moral que as acompanham.

o homem que elas amavam demais

O HOMEM QUE ELAS AMAVAM DEMAIS
(L'homme qu'on aimait trop)
DIREÇÃO André Téchiné
ELENCO Guillaume Canet, Catherine Deneuve e Adèle Haenel
PRODUÇÃO França, 2014, 16 anos
QUANDO estreia nesta quinta (28)
AVALIAÇÃO bom


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