Folha de S. Paulo


Morre poeta argentino Manuel Graña Etcheverry, genro de Drummond

Manuel Graña Etcheverry, poeta e tradutor argentino, morreu na madrugada desta quarta-feira (27), aos 99 anos, em Deán Funes, cidade do interior da Argentina onde morava. A causa da morte de Manolo, como gostava de ser chamado, foi insuficiência respiratória, desencadeada por uma infecção. Ele completaria cem anos em novembro.

O poeta traduziu a obra de Carlos Drummond de Andrade para o espanhol. Casou-se com Maria Julieta, única filha do poeta itabirano, com quem teve três filhos – Carlos Manoel, Luís Maurício e Pedro Augusto.

Arquivo Pessoal
O poeta Manuel Graña Etcheverry (centro), com os filhos Luis Mauricio (esq.) e Pedro, em Itabira (MG)
O poeta Manuel Graña Etcheverry (centro), com os filhos Luis Mauricio (esq.) e Pedro, em Itabira (MG)

"Ouvi o Drummond dizer várias vezes que ele [Manolo] foi o melhor tradutor da obra dele para o espanhol", diz Edmílson Caminha, consultor da Fundação Carlos Drummond de Andrade.

Manolo e Maria Julieta conheceram-se no Rio, nos anos 1940, e mudaram-se para Buenos Aires após o casamento. Inicialmente, Drummond resistiu ao pretendente de sua única filha, então com 21 anos, mas acabou concordando com o casamento dos dois. A filha confrontou o pai citando seus próprios versos: "Depressa, que o amor não pode esperar!".

Em entrevista à Folha publicada em 2012, quando publicou-se a obra de Graña no Brasil pela primeira vez, a família contou que as maneiras do genro argentino mudaram o sogro. "Carlos acabou adotando o uísque das sete, um dos hábitos do papai", disse Luís Maurício Graña Drummond.

Manolo também entrou para a história argentina para além do cânone literário. Orgulhava-se de ter sido o relator do projeto de lei que concedeu o voto feminino no país em 1947, quando foi deputado federal pela província de Córdoba durante o governo peronista.

No Brasil, a principal obra do poeta, "Antologia Hede", saiu pela Companhia das Letras (R$ 37, 168 págs.) em 2012, em edição traduzida pelo próprio Manolo. Publicado originalmente em 1954, o livro versa sobre a cultura e os costumes de um povo primitivo, criado por Etcheverry.

Leia o poema "Canto a Itabira" (trad. Edmílson Caminha), de Manuel Graña Etcheverry, dedicado à cidade de Drummond

"Canto a Itabira"
Deán Funes, Argentina, 16 e 17 de fevereiro de 2009

Não sou itabirano,
mas a Itabira me levam minhas lembranças,
nome repleto em mim
de nítidas imagens,
ruas que sobem e brilham
no ocaso,
crateras dos montes feridos
pelas minas de ferro,
a negra locomotiva
que arrastava o maior trem do mundo,
e a estátua do Poeta
que com o gesto está dizendo:
" - É aqui.
Aqui é Itabira".

Aqui é Itabira,
escondida entre montanhas
provinciais
carcomidas,
cortadas por caminhões gigantescos
repletos do pó arrebatado
que pacientemente esperam
a grande viagem
que leva tuas entranhas pelo mundo
com teu nome,
o nome de Itabira.

Um jardim de Itabira,
lá na casa das trinta portas,
tem uma estrela,
e o grande jardim na praça
tem flores
que falam, estudam, namoram
mulheres de beleza itabirana
que tiram o sono
de quem as veja
"passear na avenida, pelas tardes".
Pelas tardes itabiranas
os suspiros e os beijos
em um pico de amor
de amor amando,
amando-te,
Itabira.

Itabira:
quero desentranhar teu nome,
saber o que és,
qual o teu encanto,
qual o ímã que atrai
e me adere a ti.
Teu nome, um estampido,
lançou no ar o mágico 7
nas sete letras:
o um varonil,
O belo dois,
somados dão a trindade,
e fazem com o quatro figura perfeita,
a perfeição em ti.
Então te descubro,
ita que quer dizer pedra,
bira, erguida, altamente levantada,
pedra dura, orgulhosa, de ferro,
suave de coração
para quem te conhece e te ama.
Ao redobrar os tambores
de um passado tumbaitá,
aí estou eu
entre danças, bailarinas,
desejando
que a lembrança não se dissipe,
que não se apague o som escandido,
que não me abandones,
Itabira.

Itabira:
eu te canto
com a voz que tenho,
pouca para ti, mas que chegará
ao teu coração generoso.
Não é teu nome que não me abandona.
És tu,
completa entre montanhas feridas,
erguida, levantada,
endurecido o coração mineiro,
ante feridas de mãos cobiçosas,
abrandado na nostalgia
de apenas um retrato na parede.

Itabira,
eu sou teu.
Não é minha voz a voz de um poeta,
mas te diz:
eu te canto com a voz que tenho.
Se teu nome ressoa
pelos confins do mundo,
faz-me chegar,
ancoradas em meu ouvido,
tuas sílabas sonoras
as eufônicas letras
do nome
de
Itabira.


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