Folha de S. Paulo


Diretor de 'O Profeta' retorna à raiz social com filme 'Dheepan'

Há três anos, o diretor francês Jacques Audiard flertou com o cinema pop em "Ferrugem e Osso", bancada pela poderosa Sony. Agora ele volta a apostar em atores desconhecidos e no tema da imigração no thriller "Dheepan", melhor candidato da francês à Palma de Ouro em Cannes.

Os ingredientes que fizeram de "O Profeta" (2009) um dos filmes franceses mais premiados nos últimos tempos são explorados por Audiard em sua nova obra, exibida nesta quinta (21) em Cannes.

Mas o cineasta vai mais longe: ao Sri Lanka, onde foca Dheepan (Antonythasan Jesuthasan), membro do grupo separatista Tamil Tigers.

Com a campanha suprimida pelos militares, ele bola o plano de levar uma mulher e uma garota de 9 anos para a França, usando identidades de pessoas mortas.

Yalini (Kalieaswari Srinivasan) vê a chance de sair do campo de refugiados e encontra uma menina órfã, Illayaal (Claudine Vinasithamby).

Os três vão a Paris, mas é aí que o filme revela seu grande trunfo. Audiard, cuja carreira é regada a personagens afetados pelo cotidiano, a princípio coloca Dheepan numa situação ridícula (e uma cena poderosíssima) vendendo brinquedos brilhantes nas ruas da capital francesa. Se a humilhação não fosse suficiente, ele é caçado pela policia. E decide dar um basta.

A família recebe asilo político (em outra rede de mentiras) e vai morar num complexo de prédios dominados por traficantes. Dheepan se torna zelador, Yalini vira cozinheira do pai doente do mafioso local e Illayaal tenta se adaptar numa escola francesa.

Como em "O Profeta", "Dheepan" muda radicalmente de tom a partir de sua metade. Os personagens se veem envoltos em um novo ciclo de violência, agora motivado por gangues e traficantes.

Essa realidade parece incontrolável, mas Dheepan decide tomar as rédeas da sua vida. É uma nova guerra. E de guerra ele entende.

Não é difícil traçar paralelos com filmes americanos de ação dos anos 1980. Dheepan poderia muito bem ser Charles Bronson ou Clint Eastwood –e Audiard nunca escondeu sua veia mais comercial.

Mas o thriller usa dilemas morais muito mais complexos. O protagonista deseja tanto escapar da realidade dura do país natal que começa a crer na própria mentira, enquanto a mulher permanece cética ao lado da filha falsa.

"A ideia era mostrar uma história de amor de um ponto de vista diferente. Isso era mais importante que o aspecto do thriller", disse o cineasta, em entrevista à imprensa. "Não queria fazer um documentário sobre a guerra civil do Sri Lanka ou os conjuntos habitacionais, mas usar a violência como pano de fundo."


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