Folha de S. Paulo


crítica

Tecnicamente impecável, 'A Estrada 47' resgata participação do Brasil na 2ª Guerra

Demorou 70 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas finalmente o cinema brasileiro produziu um grande filme sobre a FEB (Força Expedicionária Brasileira) –à altura da participação do país no maior conflito da história humana.

A participação foi modesta, como era possível para um país muito subdesenvolvido; meros 25 mil homens enviados para lutar na frente italiana em 1944-1945, quando os principais beligerantes mediam suas forças em milhões.

Mas foi uma participação digna, honrada e repleta de interesse humano. "A Estrada 47" captou tudo isso, além de ser um filme tecnicamente impecável.

O filme não aborda nenhuma das grandes batalhas da FEB, como os vários ataques fracassados e a eventual conquista de Monte Castello, ou a ainda mais importante tomada da pequena cidade de Montese. O enredo é totalmente fictício, embora com base real, e a história se passa no difícil inverno de 1944-1945.

TRADIÇÃO

Pracinhas de uma unidade de engenharia de combate são os protagonistas. Trata-se de uma tradição típica, um verdadeiro clichê, dos filmes de guerra americanos: um grupo de militares é o centro da atenção. Pode ser um pelotão, um grupo de combate ou um mero destacamento de menos de uma dúzia de soldados.

O grupo, no caso americano, costuma incluir um caipira do interior, um malandro de Nova York, um "latino", um "italiano", um "judeu", ou, em raros filmes, um negro –as forças armadas americanas eram segregadas na Segunda Guerra; negros lutavam em unidades separadas.

O grupinho brasileiro inclui um sargento negro –as forças armadas brasileiras não eram segregadas– e pessoal de várias partes do país. A maioria da FEB foi recrutada no Rio, em São Paulo, Minas Gerais e Estados do Sul, mas havia bom número de nordestinos também.

O personagem mais cativante do filme é conhecido como Piauí (Francisco Gaspar), um sujeito humilde e bem-intencionado que cria um belo relacionamento com um prisioneiro alemão. Seus companheiros do sul o chamam pejorativamente de Paraíba.

LICENÇAS POÉTICAS

O sargento negro, sambista, tem o significativo nome Laurindo (Thogun Teixeira). Os veteranos da FEB associam o nome a um momento de pânico de um batalhão que recuou de suas posições no alto de uma colina. Na época, havia um samba com o verso "Laurindo desce o morro". Depois, o batalhão se redimiu do apelido vergonhoso.

O pequeno grupo do filme também entrou em pânico. Para se redimir, eles se dão a missão de retirar minas de uma estrada, a tal 47. Na verdade, não havia estrada com esse número na região da FEB –claro, trata-se de ficção, com algumas licenças poéticas.

O agrupamento de soldados acaba recebendo por acaso um correspondente de guerra, Rui (Ivo Canelas). Pode ser uma homenagem a Rui Brandão, do "Correio da Manhã"; ou mesmo a Rubem Braga, do "Diário Carioca".

Nenhum desses correspondentes ligados à FEB teve acesso a situações perigosas. Não pegaria bem na ditadura Vargas ter um jornalista morto.

OSVALDINHO

O jornalista Rui usa um jipe com o nome Osvaldinho. O especialista logo reconhece o nome: era o jipe do general de brigada Osvaldo Cordeiro de Farias, comandante da artilharia da FEB, que batizou o jipe com o nome do filho.

Nunca houve um filme brasileiro de guerra tão tecnicamente bem-feito. As cenas de combate são corretas; os tanques americanos são de fato o clássico M-4 Sherman. As cenas são filmadas em lugares que representam perfeitamente a Itália onde a FEB lutou.

"Um dia tudo isso será esquecido", diz um dos personagens. De fato, isso aconteceu. Poucos no Brasil de hoje lembram ou conhecem a epopeia da FEB. Esse filme felizmente pode ajudar a sacudir a memória dos compatriotas.

A ESTRADA 47
DIREÇÃO: VICENTE FERRAZ
ELENCO: DANIEL DE OLIVEIRA, JÚLIO ANDRADE E RICHARD SAMMEL
PRODUÇÃO: BRASIL, 2013, 12 ANOS
QUANDO: EM CARTAZ


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