Folha de S. Paulo


CRÍTICA

De Rubem Fonseca, autor de obra tão forte, não se esperaria livro tão frágil

Grandes escritores evitaram publicar textos estilo ponta de estoque, defeituosos. Alguns, mais vaidosos, como Borges, ainda em vida expurgaram da obra títulos ou momentos que lhes pareceram menores, equivocados.

Mas um autor muitíssimo cioso de sua figura, Rubem Fonseca, um dos maiores escritores brasileiros do século 20, fez diferente: em "Histórias Curtas", resolveu dar a ler um conjunto de 38 contos, todos fracos, vários muito ruins, um ou outro de dar dó.

Para além da mera documentação, a fazer o gosto dos interessados na arqueologia de sua escrita, por certo há na publicação o desejo de oferecer o que dá título ao último conto: "Fazer as Pessoas Rirem e se Sentirem Felizes".

Trata de um palhaço, filho de outro, que vê o mundo do circo pequeno desaparecer. A saída é achar outro emprego, como porteiro de um prédio pequeno, habitado por gente velha. Talvez seja o conto mais promissor.

Mas mesmo ele deixa a desejar.

As histórias são não apenas curtas, mas inacabadas. Parecem embriões, caricaturas, esboços, sem tensão ou enredo a sustentar o conjunto.

Em mais de uma há erros, como em "A Noviça". No começo, lê-se: "Todo domingo eu levo minha avó à igreja"; na outra página, "Então minha avó morreu". Quando acontece o quê? Há algo similar em "Quem Vê Cara

Não Vê Coração", que pode valer como antípoda de "Feliz Ano Novo". Não há novidade de linguagem, estrutura ou tema –nem precisaria. Mas então que houvesse excelência.

Há aqui e ali trejeitos dos bons momentos fonsequianos –a narração em primeira pessoa, com ironia e amargura, um herdeiro obsessivo, um pobre desiludido ou um remediado furioso, todos falando frases diretas e
claras, em enredos atravessados por violência, em regra tratada como trivialidade, paradinhas para descrições enciclopédicas, uma virada no final.

No fim das contas, não se deixa de sentir constrangimento: de quem construiu obra forte e duradoura, não se esperaria livro tão frágil.

LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na UFRGS.

HISTÓRIAS CURTAS
AUTOR Rubem Fonseca
EDITORA Nova Fronteira
QUANTO R$ 34,90 (176 págs.)
AVALIAÇÃO ruim "¢


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