Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Filme póstumo de Eduardo Coutinho é fecho notável de sua obra

Na abertura de "Últimas Conversas", quem conversa é Eduardo Coutinho –bela homenagem dos responsáveis por dar acabamento ao filme deixado incompleto pelo cineasta, morto em 2014.

Divulgação
"Últimas Conversas", filme derradeiro do cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014)

Suas palavras dizem respeito ao que foi o problema de toda sua obra: o embate com o real. Ou, mais extensamente: como vencer a barreira que impede uma imagem, uma fala, de encontrar sua verdade.

Confira trecho exclusivo do documentário 'Últimas Conversas', de Eduardo Coutinho

Com seu pessimismo quase lendário, Coutinho invectiva os adolescentes –objeto de seu novo trabalho. Fala de como chegam "armados", como resistem a se abrir plenamente, como horas de entrevistas constituem o material bruto: um filme com menos de 90 minutos.

Desse material, o mínimo a dizer é que o cineasta- entrevistador conseguiu, sim, e de maneira notável, quebrar essa invisível película que separa o discurso da realidade, a palavra de sua verdade.

O grupo de adolescentes que ali desfila pertence, em linhas gerais, a isso que se convencionou chamar "nova classe C". Ou "B", talvez. São pessoas com, não raro, problemas familiares, ou vítimas de preconceito, ou bullying. Ou tudo isso ao mesmo tempo. São moças e rapazes que sonham com seu futuro profissional ou afetivo.

No total, formam um painel bastante interessante da adolescência atual no Rio. Será ele "representativo"? Bem, isso leva a outra questão: o que seria representativo da adolescência? Ou outra: não será desse tipo de quadro estatístico que Eduardo Coutinho sempre tratou de escapar?

Pois há mais de 30 anos seu trabalho consiste em encontrar e desenvolver personagens: pessoas de carne e osso, com gestos, falas particulares. Em boa parte de seus filmes, o pessoal vai em busca do geral, mas por um processo cinematográfico (o de identificação personagem/espectador) e não estatístico.

É quase estranho pensar que, do cinema de Coutinho, muitos indagavam se não estaria esgotado. E, estranhamente, é o fato de ele não ter podido completar o filme que dá a "Últimas Conversas" o tom de absoluta novidade.

São três tipos de discurso: o do adulto (o próprio cineasta), com certo desencanto pelo vivido; o do adolescente, com as angústias de um horizonte que se abre diante dele, ainda incerto; o da criança, desprovido de angústia.

Sim, pois a última conversa do filme é com uma criança, com quem Coutinho se encanta, pois não vê nela defesa alguma. Admira-lhe a perfeita transparência.

Talvez seja uma nostalgia de ancião: a entrevista pouco acrescenta ao longa, a não ser um discurso pleno de real e desprovido de densidade. No geral, o filme é o fecho notável de uma obra invulgar.

Últimas Conversas

ÚLTIMAS CONVERSAS
DIREÇÃO Eduardo Coutinho
PRODUÇÃO Brasil, 2014, 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (7)
AVALIAÇÃO ótimo


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