Folha de S. Paulo


'Fui para as artes plásticas por desespero', afirma Nuno Ramos em sabatina

"Fui para as artes plásticas por desespero", disse o artista plástico e escritor Nuno Ramos, 55, durante sabatina promovida pela Folha, nesta terça (28), no Museu da Imagem e do Som (MIS).

Nuno, que acaba de lançar seu sexto livro, "Sermões", afirmou querer, a princípio, se tornar escritor. "Sempre quis ser escritor. Aí, na minha adolescência ou pós-adolescência, eu tive uma crise com isso, tentei um pouco a canção e fui para as artes plásticas."

Escrito na forma de um longo poema, dividido em sete partes, "Sermões" parte das obsessões sexuais de um velho professor de filosofia para narrar sua crise de identidade e seu declínio.

Adriano Vizoni/Folhapress
Sabatina com o artista Nuno Ramos, realizada no auditório do MIS
(esq. para dir.) Mario Cesar Carvalho, Nuno Ramos, Marcos Augusto Gonçalves e Silas Martí, em sabatina realizada no MIS

Segundo seu autor, trata-se de um livro "mais solto" do que "Junco", publicado por ele em 2011. "Reescrevi 'Junco' várias vezes. Para mim, escrever não é o problema, é reescrever que é mais penoso."

Participaram da sabatina Mario Cesar Carvalho, repórter especial da Folha, Marcos Augusto Gonçalves, editor da "Ilustríssima" e Silas Martí, repórter de artes visuais da "Ilustrada".

RODOVIÁRIA

Nuno criticou a política brasileira, o PMDB e os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), a quem chamou de Debi e Lóide, em referência aos personagens do filme de comédia americano homônimo.

"As divisões partidárias levam ao de sempre, o PMDB lá sentado," afirmou ele, que disse que é preciso uma organização "suprapartidária para tocar uma pauta". "Nós todos estamos assistindo o Debi e o Lóide fazendo as suas diatribes."

Ele afirmou ainda que o Brasil é "profundamente conservador" e "possui traços muito fortes do século 19", como a má distribuição de renda e a escravidão. "O Brasil é uma rodoviária, dessas com viação Cometa. O cosmopolitismo não aconteceu."

No entanto, Nuno disse que o país vive "uma democracia razoável" e afirmou olhar com otimismo para a democracia brasileira.

VIOLÊNCIA

"O Brasil é um país essencialmente violento", disse Nuno. "Talvez a violência preceda a distribuição de renda, a saúde, a educação, que são temas 'santificados'."

O escritor disse acreditar que iniciativas de nível municipal podem ser a saída para o problema. Além disso, "é preciso repensar a polícia. Não dá para matar o que se mata por ano [no primeiro trimestre de 2015185 pessoas foram mortas pela PM no Estado de São Paulo, contra 157 no mesmo período de 2014]. E eles estão morrendo também."

BANDEIRA BRANCA

Nuno também falou sobre sua obra, exposta na 29ª Bienal de São Paulo, em 2010. Na instalação, composta por esculturas em formas geométricas, o artista manteve três urubus vivos, cercados por uma grade de proteção.

A obra atraiu protestos de ativistas ecológicos, como o grupo Peta (pessoas pelo tratamento ético de animais, na sigla em inglês) e foi retirada da mostra.

"Achei que estava uma euforia burra, e eu queria me contrapor a isso," explicou ele. "Você não conserta o país dando Bolsa Família e aumento salarial."

Quando questionado sobre a política nas artes brasileiras, Nuno afirmou gostar de obras "frágeis, que tem conteúdo político indireto". "É totalmente equivocada a afirmação de que os artistas brasileiros são despolitizados. O artista é o artista. Essa simetria entre obra e mundo é um stalinismo triste."


Endereço da página:

Links no texto: