Folha de S. Paulo


Produtor de Amy Winehouse chega ao topo das paradas com 'Uptown Funk'

Talvez a foto desta página seja a primeira que você vê dele. Talvez seja até a primeira vez que lê o seu nome, mas é pouco provável que você tenha passado sem bater o pé quando algumas das canções que Mark Ronson produziu tocam.

O compositor e DJ londrino de 39 anos tem no currículo a experiência de ter sido o produtor que moldou o soul de Amy Winehouse (1983-2011) no disco "Back to Black" (2006). Colaborou ainda com Adele, Lily Allen e Rufus Wainwright, entre outros.

Já trabalhou até com Paul McCartney, no álbum "New" (2013). Sua ligação com o Beatle, aliás, vem desde a infância: de uma família abastada, conta que foi salvo de um afogamento pelo roqueiro em uma praia de Long Island, em Nova York.

Há anos por trás de sucessos, agora chega ao auge de sua carreira solo com o disco "Uptown Special", o seu quarto. A própria imagem está mais visível, mas nem tanto.

Seu nome está lá assinado bem grande e ele dá as caras no clipe, mas, para quem não estiver atento, Ronson pode passar por mais um músico que contracena com o cantor americano Bruno Mars no vídeo de "Uptown Funk", hit maior do CD, onipresente.

Divulgação
O produtor, DJ e cantor inglês Mark Ronson
O produtor, DJ e cantor inglês Mark Ronson

A faixa de funk irresistível está entre as mais executadas em rádio no Brasil, segundo a Crowley, empresa que monitora programação no país.

Nos EUA, bateu o recorde da década em número de semanas consecutivas no primeiro lugar geral nas paradas. "Uptown Funk" esteve, até o início do mês, por 14 semanas no topo da lista Billboard 100, que compila as faixas mais tocadas há 56 anos.

Entra, assim, para a história do ranking. Está no grupo da vice-liderança de mais executadas nessas cinco décadas –o primeiro lugar é de "One Sweet Day", de Mariah Carey e Boyz II Men, que ficou no topo por 16 semanas em 1995.

AJUDINHA DOS AMIGOS

Ronson não hesita em dizer que o sucesso de "Uptown Funk" se deve muito à imagem de Bruno Mars, com quem havia trabalhado no CD "Unorthodox Jukebox" (2012).

"Bruno é um superstar, claro que isso faz diferença. Ficar em primeiro lugar nos EUA é algo que acontece para 0,001% das pessoas que fazem música, mas não é o que define. Não é a coisa mais importante, sabe?", diz à Folha, por telefone, de Londres.

O sotaque que sai da voz nasalada explica sua rotina: vive há anos entre a capital inglesa e Nova York.

Uptown Funk

uptown funk

"Fiz a música que eu estava fazendo desde sempre. Por trabalhar com o Bruno, algumas pessoas me descobriram. Alcancei o primeiro lugar por algo que vai além da música", explica ele, que considera a carreira solo um projeto secundário na vida de produtor e DJ. Sua próxima produção deve ser um disco da banda Duran Duran.

Além de Mars, outros nomes de peso contribuem no disco. Stevie Wonder, ídolo de Ronson, gravou sua harmônica para duas faixas. Kevin Parker, líder da banda australiana de rock Tame Impala, participa de três músicas.

Mas nem só de vozes conhecidas se fez o CD –e é aí que entra o ouvido treinado de produtor. Keyone Starr, jovem do Mississippi que interpreta "I Can't Lose", foi descoberta por Ronson enquanto fazia uma road trip para caçar talentos em igrejas do sul. "Quando a ouvi. instantaneamente soube era ela."

UPTOWN SPECIAL
ARTISTA Mark Ronson
GRAVADORA Sony/BMG
QUANTO R$ 24,90

Leia abaixo os principais trechos da entrevista à Folha.

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Folha - Você conheceu a cantora Keyone Starr durante uma viagem pelo sul dos Estados Unidos. Como foi isso?

Mark Ronson - Nós escrevemos um monte de músicas em Venice, na Califórnia, eu e o [produtor americano] Jeff Bhasker. Uma noite nós meio que acabamos "I Can't Lose", estávamos trabalhando na demo e pensando quem deveria cantar a música. Então Jeff disse: "A gente deveria fazer uma road trip de verdade para o sul". Jeff já criou bandas gospel, então ele já fez isso de ir às igrejas e encontrou tantos talentos assim.

Achei uma ideia tão ótima. Toda a música americana R&B e hip-hop de hoje vem do sul de alguma forma porque vem do soul e do jazz gospel. Então nós fomos a umas 20 ou 30 igrejas, casas noturnas, basicamente qualquer lugar onde pudéssemos ver pessoas cantando.

Nós estávamos em Jackson, Mississippi, ouvimos uns 12 cantores e lá ouvimos Keyone pela primeira vez. Na verdade, todos os cantores eram incríveis. Quando você vai às igrejas, é difícil ouvir ouvir algo ruim, mas ela era realmente a voz que nós tínhamos imaginado quando escrevemos a música. Estava tão óbvio. Instantaneamente soube que era ela.

Você acha que essa viagem foi muito importante como inspiração para o disco?

Foi, com certeza, porque quando entrei no Royal Studios, em Memphis, onde Al Green gravou, eu me apaixonei completamente pelo estúdio. E quis gravar a maior parte do álbum lá. Tudo isso provavelmente influenciou o álbum de várias maneiras. Isso teve um grande efeito sobre mim, definitivamente.

Recentemente você comentou sobre a falta de coisas interessantes sendo ditas na música pop. Por que isso está acontecendo, na sua opinião?

Não sei. Eu não estava dizendo isso sobre a música pop, é mais sobre R&B e música para pista de dança, que é o que eu acho que faço. Acho que é o mau momento da indústria. Para vender, as pessoas fazem a coisa mais óbvia, mais simplificada. Não querem arriscar a fazer uma coisa muito diferente para chegar ao rádio.

As músicas nos anos 70, mesmo as canções mais disco, de álbums do Earth, Wind & Fire e Chaka Khan, tinham letras incríveis, com uma estranheza. Do Earth, Wind & Fire, há "September", "Fantasy". Da Chaka Khan, "Do You Love What You Feel". Essas músicas tinham uma coisa muito mais espiritual e mais esperta.

Eu sinto que trabalhando com [o escritor americano, vencedor do Pulitzer por "The Amazing Adventures of Kavalier and Clay"] Michael Chabon a nossa música ficou funk, disco, soul, o que quer que seja, com letras interessantes.

Mas claro que há ótimos letristas hoje, como Kendrick Lamar. Não estou dizendo que ninguém faça isso. Mas estou dizendo que deveríamos fazer mais.

Como surgiu a sua colaboração com Michael Chabon?

Ele é um dos meus escritores preferidos. Ele é provavelmente meu escritor vivo favorito desde que eu li "The Amazing Adventures of Kavalier and Clay" dez anos atrás. E sendo DJ em clubes eu não lia livros desde que eu tinha acabado a escola, então isso me trouxe de volta às leituras. Eu comprei esse livro para todas as pessoas de quem eu gosto. Há algo especial nele.

Então quando eu comecei a escrever algumas das músicas deste álbum, especialmente "Summer Breaking", senti que a música tinha diferentes sentimentos, algo diferente do que eu já tinha feito. Queria tentar ter histórias estranhas e interessantes nela.

Com quais outros escritores você gostaria de trabalhar?

Nunca pensei sobre isso. Não é algo que se ele não fizesse eu chamaria outro escritor. Eu contatei especificamente o Michael. Se outra pessoa tivesse feito, o álbum seria outro, com certeza.

"Uptown Funk" é um tributo aos anos 80. Hoje há uma onda retrô, como nos sucessos do Daft Punk. Por que isso está acontecendo?

Eu não sei. Para ser sincero, eu venho fazendo isso desde o meu primeiro disco, há 12 anos, desde o primeiro disco que eu produzi. Talvez seja porque eu cresci com isso, talvez porque meu primeiro instrumento foi a bateria, sempre fui ligado ao groove, às batidas.

É difícil dizer por que eu gosto desses sons. É como tentar dizer porque verde é uma das minhas cores preferidas. É algo que eu não posso explicar em palavras.

Não quero que nada soe como se a gente estivesse em 1981. Quero que as coisas soem como de agora. Mas as minhas principais influências, e talvez isso se destaque porque os músicos tocaram ao vivo, é a música para pista de dança clássica. Mas eu quero fazer música para hoje.

Ouvi três crianças pequenas cantando "Uptown Funk" outro dia. Crianças que nunca ouviram Rick James ou Prince na vida. É bem legal. Talvez isso as faça descobrir a música que eu amo também.

"Uptown Funk" ficou diversas semanas no primeiro lugar da Billboard. É surpreendente?

Sim. Eu nunca tive uma canção na lista da Billboard 100 antes. Tive canções que as pessoas gostaram, como "Valerie" e "Bang Bang Bang", o que é ótimo, mas eles eram como hits frios. Fiquei muito feliz com isso. Eu conquistei isso, sabe?

Mas agora, sabe, o Bruno é um superstar, claro que isso é diferente. É louco porque ficar em primeiro lugar por uma semana é algo lendário. Ficar em primeiro lugar nos Estados Unidos é algo que acontece para 0,001% das pessoas que fazem música, mas não é o que define. Não é a coisa mais importante, sabe?

É incrível, eu tenho muita sorte, mas eu fiz a música que eu estava fazendo desde sempre. Mas por trabalhar com o Bruno algumas pessoas me descobriram. Alcancei o primeiro lugar por algo que vai além da música.

Você sempre disse que a sua carreira solo é um projeto paralelo, porque se vê especialmente como produtor e DJ. Agora, com o sucesso, isso muda?

É um pouco diferente agora porque eu acho que tenho o maior hit em que já trabalhei nos meus discos solo e poderia facilmente ser uma canção do disco do Bruno se nós tivéssemos trabalhado nela um ano antes.

Normalmente, eu faço meus álbuns a cada quatro anos. Às vezes, alguém se importa, às vezes não. Eu continuo fazendo da mesma forma, porque não tem ninguém implorando na minha porta "Quando teremos o próximo disco?".

Talvez agora o próximo disco solo seja um pouco diferente, mas é difícil de dizer. Eu só tenho que seguir e fazer a música que me parece certa e natural para mim, quando sentir que devo fazê-la.


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