Folha de S. Paulo


'Meu pai foi um mago, um grande bruxo', diz André Abujamra

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André Abujamra e o pai, Antônio Abujamra, em gravação do programa
André Abujamra e o pai, Antônio Abujamra, em gravação do programa "Provocações"

Um dos grandes nomes de sua geração no teatro brasileiro, o ator e diretor Antônio Abujamra morreu aos 82 anos madrugada desta terça-feira (28).

O músico André Abujamra –filho mais novo de Antônio e Cibelia, irmão de Alexandre– falou à Folha por telefone sobre as lembranças do pai. Leia, abaixo, seu depoimento.

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Meu pai é mais do que um pai. Ele foi um mestre para muita gente. É óbvio que eu, meu irmão, os netos e filhos, a gente fica muito triste neste momento. Mas é como meu filho mais velho falou: a gente tem orgulho. É uma mistura de tristeza e orgulho ser filho de Antônio Abujamra, um ícone para os filhos, para o teatro e para a arte do Brasil.

É um momento muito delicado, mas ao mesmo tempo bonito, saber que meu pai era uma pessoa tão querida, tão amável. Ele foi um provocador. Um cara que provocou muitas coisas no Brasil como artista. A primeira frase que lembro que ele falou para mim foi: "A vida é sua, estrague-a como quiser".

Aos 15 anos, ele me levou ao cinema para ver "Como Era Gostoso o Meu Francês" [filme de Nelson Pereira dos Santos de 1971]. Eu disse: "Pai, isso é filme para trazer um filho?" Ele sempre foi um grande mago, um grande professor. Um grande bruxo. É quase como ganhar na Mega-Sena ser filho do Antônio Abujamra.

Meu pai falava para eu ler, e eu não lia. Meu jeito de ser artista, apesar de ser filho do Abuzão, é diferente do dele. Só o fato de nascer na minha casa já me fez por osmose ser artista, no sentido de ver o mundo, tornar visíveis as coisas invisíveis. Acho que é essa a lição que ele me deu: tornar visíveis as coisas invisíveis.

Ele sempre foi um artista. A educação que ele me deu sempre foi lúdica, uma educação de artista para artista. Era impossível ver o Antônio Abujamra só como o meu pai. Eu o via como um diretor de tantas coisas belas, como um criador, um cara que fazia Shakespeare só com mulheres.

Ele morreu que nem um passarinho. A gente perdeu minha mãe [Cibélia] faz dois anos. Desde então, o meu pai não estava muito feliz, andava meio triste. Claro, ele é um filósofo, continuou trabalhando. Realmente, ele faleceu que nem um passarinho. Era para ter ido desse jeito, mesmo. Quem dera eu consiga morrer assim.

Falei com ele ontem, pela última vez, ao telefone. Ele estava em uma fase muito carinhosa. No domingo [26] foi aniversário do meu irmão. Fomos comemorar, almoçamos todos juntos. Foi uma despedida muito bonita. É isso. É duro, mas é isso. É complexo perder um pai da magnitude de Antônio Abujamra.

Ele andava mais quietinho ultimamente, no apartamento dele, fazendo provocações. A gente ia visitá-lo e ele estava sempre conversando com as árvores. Sempre foi poeta, sempre foi filósofo. Sempre foi uma coisa lúdica, um cara que precisava mostrar algo para a humanidade e para os artistas. Ele sempre via as coisas de ponta cabeça e sempre foi um provocador, no sentido de fazer as pessoas sempre mudarem a cabeça para conseguir viver, ver a vida. Para conseguir flutuar, levitar um pouco. E deixar de ver as coisas com tanto peso.

Lanço agora o disco "O Homem Bruxa", completamente em homenagem ao meu pai. De certa forma, foi uma coisa premonitória minha. O álbum é completamente para ele, por causa dele. De certa forma, é um presente.


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