Folha de S. Paulo


Zeca Pagodinho usa novo CD como remédio para se recuperar do luto

Faz 30 anos que Zeca Pagodinho cantou no LP coletivo "Raça Brasileira", marco zero do fenômeno batizado de pagode. De lá para cá, foram 23 discos solo e a consagração como o sambista mais popular do país.

Ainda assim, reparando a tensão do patrão, uma de suas empregadas espantou-se enquanto lhe fazia as unhas: "Ô, seu Zeca, o senhor já lançou tanto disco, já estreou tantas vezes, por que vai ficar nervoso agora?".

Além de ser o seu primeiro CD de músicas inéditas em cinco anos, "Ser Humano" é especial por ter sido gravado logo após o cantor perder o filho mais velho e o pai.

Elias Gabriel morreu em 4 de janeiro, aos 28 anos, por problemas pulmonares. Um pouco depois, em 6 de março, morreu Jessé da Silva, aos 87, de insuficiência cardíaca.

"Eu ia voltar para a depressão. Antes de isso acontecer, falei: 'Pode marcar o estúdio'. O samba é meu remédio, meu alimento, minha alegria."

O humor de Zeca Pagodinho realmente está de pé, como nas habituais brincadeiras rabugentas dirigidas à assessora de imprensa. "Não vou ganhar um disco meu, não? Sou um corno musical, o último a receber."

A entrevista é interrompida por um telefonema da mesma empregada que cuidara de suas unhas, mas a mão em questão agora é outra.

"Não é pernil, é pá. A pá é a mão do porco, a pata da frente", diz ele, orientando a feijoada do dia seguinte (23/4), dedicada a são Jorge, seu protetor.

"Daqui a pouco vão ligar perguntando o que fazer de almoço. 'Tem veneno? Faz chumbinho, que acalma as crianças'", simula ele.

Aproveitando o ensejo, um amigo lhe pede orientações sobre o que fazer com um despacho posto em frente à casa de uma amiga."Xi, pede ajuda a Deus!", aconselha.

Pouco tempo a seu lado é suficiente para constatar que, aos 56 anos, ele está longe de poder se aposentar, tantos são os que dependem do seu trabalho: quatro filhos, dois netos, dezenas de empregados, além dos 120 alunos do Instituto Zeca Pagodinho, que forma jovens músicos.

"Não posso ficar doente. Se eu cair, tombam uns três dominós de gente", calcula.

Também por isso, ele começa nos dias 8 e 9 de maio, em São Paulo (no Citibank Hall), a turnê de seu novo show, que terá umas seis músicas de "Ser Humano" e vários sucessos.

HERANÇAS

Algumas músicas do novo CD falam em bondade, compaixão. São valores que Zeca Pagodinho diz ter herdado do pai e de toda a família.

Uma faixa que representa isso é "Tempo de Menino", escrita por Juninho Thybau e Kiki Marcellos. Ela remete a "Tempo de Criança", composta –e gravada em 1989–por Zeca com seu primo Beto Gago, pai de Juninho.

O jovem sambista assumiu como sobrenome artístico o nome de seu avô. Violonista e boêmio que exercia sua autoridade de patriarca sem perder a ternura, Thybau foi uma grande referência para Zeca.

"Musicalmente e moralmente", ressalta ele sobre o tio-avô. "Nossa família é muito festeira, e de muita gente honesta, trabalhadora."

Aos 14 anos, Zeca (nascido Jessé Gomes da Silva Filho) começou a trabalhar: vendeu limão na feira, foi office-boy e anotador de jogo do bicho –ou "corretor zoológico", como preferia. Nos fins de semana, os parentes se reuniam sob uma goiabeira na casa de Thybau, no Irajá, bairro da zona norte do Rio.

Quem sabe disso entende por que ele se emocionou com "Ser Humano", a composição de Claudemir, Marquinho Índio e Mário Cleide, de versos como "Teu coração não cabe dentro do teu peito/ Que está lotado, transbordando de amigos".

"Soube que fizeram a música em minha homenagem. Não posso gravar música feita para mim. Mas pensei que ela é feita para todo o mundo. Não consigo entender tanta matança, tanta guerra."

PARCERIAS

Sua lealdade aos amigos se traduz na repetição de nomes em seus discos: dos músicos que se revezam nos instrumentos –para ninguém ficar de fora– aos compositores que não podem faltar.

Nesse time estão Nelson Rufino (presente no CD com "Mangas e Panos"); Zé Roberto e Adilson Bispo ("A Monalisa"); Fred Camacho, Marcelinho Moreira e Dudu Nobre ("Etc. e Tal"); Monarco e Mauro Diniz ("Perdão, Palavra Bendita"), Serginho Meriti ("Samba na Cozinha"); o trio Marcos Diniz/ Barbeirinho do Jacarezinho/Luiz Grande ("Mané, Rala Peito"); e Almir Guineto e Adalto Magalha ("A Santa Garganta").

Morto no ano passado, Efson está em "Boca de Banzé" (com Paulinho Rezende); Luiz Carlos da Vila, que se foi em 2008, é lembrado numa rara parceria com Marcos Valle, "Nas Asas da Paixão".

E os amigos de longa data Arlindo Cruz e Sombrinha dividem "Foi Embora" com o próprio Zeca.

"Nem eu sei direito por que fiquei cinco anos [sem gravar inéditas]. Mas chegou a hora, até porque o pessoal está precisando de um dinheirinho", brinca Zeca, referindo-se aos compositores.

SER HUMANO
ARTISTA Zeca Pagodinho
GRAVADORA Universal
QUANTO R$ 21,90
SHOWS 8/5 (às 22h30) e 9/5 (às 22h) no Citibank Hall - av. das Nacões Unidas, 17.955; tel (11) 4003-5588; de R$ 40 a R$ 240


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