Folha de S. Paulo


Mostra exibe imagens da fotógrafa e babá americana Vivian Maier

Quando Vivian Maier morreu, uma nota no jornal "Chicago Tribune" disse que ela foi quase uma mãe para as crianças John, Lane e Matthew, "sempre pronta a dar um conselho, uma ajuda".

Mas não disse nada sobre as 150 mil fotografias que a babá, morta aos 83, há seis anos, tirou ao longo de toda sua vida, em Nova York e Chicago.

Isso porque Maier, que agora tem mais de cem de suas imagens numa retrospectiva no Museu da Imagem e do Som, nunca mostrou sua obra a ninguém, mesmo sendo uma acumuladora voraz de flagras de crianças, velhinhos, casais e do próprio rosto refletido em espelhos e vitrines das metrópoles.

Todo esse universo retratado por ela entre as décadas de 1950 e 1980 envelheceu em caixas num depósito até que, há oito anos, um corretor de imóveis de Chicago arrematou seus negativos num leilão –por falta de pagamento, o galpão vendeu os pertences de Maier, que viveu seus últimos anos vagando pelas ruas.

Só depois da morte de Maier é que John Maloof, que comprou as imagens, acabou identificando a misteriosa artista.

Sua busca rendeu "A Fotografia Oculta de Vivian Maier", documentário indicado ao Oscar deste ano em que constrói um perfil da mulher que se retratava sempre com o olhar fixo no fundo da lente ou de perfil, a boca entreaberta como se estivesse prestes a dizer alguma coisa.

Mas ela falou pouco. É verdade que Maier gravou alguns de seus pensamentos em áudio, só que nunca explicou sua obsessão em retratar e catalogar o mundo ao seu redor, preferindo considerações etéreas ou em tom de autoajuda, como o trecho em que compara a vida a uma roda gigante em que se sobe tendo certeza de que será preciso descer.

Também fez muitos filmes com uma câmera Super-8, curtas que serviam de preâmbulo a suas imagens fotográficas, como se ela buscasse ali um enquadramento para depois bater a foto definitiva.

Num dos filmes que fez, Maier registra quase todo um trajeto de metrô em Chicago, depois, já na rua, segue por algumas quadras uma mulher de camisa rosa e chapéu branco, uma busca que não leva a nada, mas que parece cheia de um propósito inexplicável.

"Ela tinha mesmo uma patologia, era obcecada em conservar, acumular, gravar o mundo", diz Anne Morin, que organiza a mostra paulistana. "Mas insistia em deixar a sua pegada, uma assinatura."

periferia do mundo

Isso talvez por uma sensação de desenraizamento total. Maier era filha de um austríaco e de uma francesa que nasceu em Nova York, passou parte da infância na França e depois voltou aos Estados Unidos para trabalhar como babá. Não se casou nem teve filhos, só criou os dos outros.

Suas imagens, aliás, dão especial atenção a crianças, mas não as limpinhas, de pais abastados. Maier preferia as maltrapilhas, perdidas.

"Ela se interessava por gente anônima, pobre, na periferia do mundo como ela", diz Morin. "Essa é a força de seus retratos. Ela parece se projetar nos personagens da mesma forma que nunca sorri nos seus autorretratos. Era uma busca por identidade."

No caso, uma busca determinada. Maier tinha a ambição de registrar a vida como ela é, mas não em chave crua, despojada. Suas composições surpreendem pela audácia das formas, enquadramentos complexos e uma espontaneidade avassaladora.

Helouise Costa, do Museu de Arte Contemporânea da USP, compara a intimidade de Maier com seus retratados desamparados, flagrados nas ruas com a forma como o dândi Jacques Henri Lartigue também fotografou de dentro a alta burguesia francesa.

"Essas fotos vão redefinir a história da fotografia de rua", diz Costa. "É lugar-comum falar de enigma no trabalho dela, mas nunca vamos saber de fato as suas motivações."

Seu triste fim também não dá pistas. Maier morreu sozinha e abandonada, resgatada da rua por um dos meninos que criou. Ele a reconheceu dormindo no asfalto.

VIVIAN MAIER
QUANDO abre nesta terça (21), às 12h; de ter. a sáb., 12h às 21h; sáb. e dom., 11h às 20h; até 14/6
ONDE MIS, av. Europa, 158, tel. (11) 2117-4777
QUANTO R$ 6


Endereço da página:

Links no texto: