Folha de S. Paulo


Amigos fazem caçada por telas de Volpi perdidas há 27 anos

O lote 121 é especial. Estima-se que valha de R$ 200 mil a R$ 300 mil, das maiores entre as 160 ofertas da noite. No verso, "A Volpi". Um legítimo Alfredo Volpi (1896-1988).

É "Fachada". A tela, uma das 47 que desapareceram do acervo pessoal do pintor após sua morte, ressurgiu do nada, como quem vai comprar cigarro e volta 27 anos depois.

A Bolsa de Arte do Rio de Janeiro a colocou na capa do catálogo do leilão que aconteceu na terça (14), em sua sucursal paulistana, nos Jardins. Antes que a bebida gelasse, o quadro foi levado embora, enrolado em plástico bolha, sob o bem alinhado paletó cinza de Pedro Mastrobuono, 47.

Ernesto Rodrigues/Folhapress
Pedro Mastrobuono, diretor jurídico do Instituto Volpi, devolve a obra apreendida do artista Alfredo Volpi ao MAC (Museu de Arte Contemporânea)
Pedro Mastrobuono, diretor jurídico do Instituto Volpi, devolve a obra apreendida do artista Alfredo Volpi ao MAC (Museu de Arte Contemporânea)

Enquanto Ana Carolina cantava na rádio "não é assim tão complicado, não é difícil perceber", o cofundador do Instituto Alfredo Volpi explica à equipe da Bolsa por que um oficial de Justiça tem um mandado para apreender a pintura –deixando um buraco na parede, ao lado de um Ivan Serpa (1923-1973), minutos antes de o leilão começar.

Lamentando o "constrangimento", Mastrobuono diz que "Fachada" pertence a um acervo que foi "vendido na surdina" antes que os herdeiros se acertassem. Sem filhos biológicos conhecidos, Volpi criou dezenas de crianças. Registrou duas filhas, ainda vivas e envoltas numa luta judicial, um filho que morreu e outro desaparecido há décadas.

A primogênita, Eugênia Volpi Pinto, responsável pelo inventário do pai logo após a morte, negociou boa parte do legado sem avisar os irmãos, afirma Sidney Maccariello, advogado da caçula, Djanira.

Aos poucos, as obras pródigas à casa voltam. "Fachada" é a 10ª resgatada desse combo, estimado em R$ 30 milhões há três anos. Só "Nu de Judith" e "Retrato de Hilde Weber", recuperadas em 2013, valem hoje R$ 5 milhões cada.

O MAC (Museu de Arte Contemporânea) da USP fechou convênio para abrigar Volpis achados. "Fachada" foi para lá e passa por uma vistoria antes de ser exposta ao público.

"As primeiras telas apreendidas estavam infestadas de cupim", conta Mastrobuono.

PACIÊNCIA

Pedro frequentava a casa do artista com o pai, Marco Antonio Mastrobuono, 80, um dos "volpistas" que catalogaram as obras do amigo.

Sempre com tamancos holandeses e cigarro de palha, Volpi gostava de jogar paciência com um baralho carcomido quando a luz do dia caía.

Só era impaciente com formalidades. Certa vez, recusou-se a ir ao Palácio dos Bandeirantes receber uma medalha. O governador Paulo Egydio Martins (1975-79) foi então até sua casa no Cambuci, e ele o recebeu com uma macarronada servida em cima do seu cavalete. Assim se despediu: "Ei, qual é mesmo o seu nome?".

Tanto desapego teve seu custo. Volpi não se preocupava com recibos, o que dificulta mensurar sua produção. Marco Antonio suspeita que obras assinadas por ele foram feitas por aprendizes e vendidas como suas por Eugênia. "Era notável a falta de firmeza das mãos. Ele borrava um pouco as telas", lembra.

No fim da vida, com Alzheimer, Volpi se afastou dos amigos –segundo eles por pressão da filha mais velha. Eugênia voltou para casa em 1972, assim que morreu a mãe, com quem brigou após casar com o motorista do Fusca da família. Foi destituída como inventariante em 2010. A juíza Vivian Wipfli indicou um advogado para o seu lugar.

Por telefone, Eugênia chama as acusações de "conversa mole de golpista" e desliga. Sua advogada, Denise de Cássia Zilio, não comenta processos "em segredo de Justiça".

Jones Bergamin, diretor da Bolsa de Arte e um dos "volpistas" que catalogaram o espólio, diz desconhecer a inclusão de "Fachada" na lista de "procura-se" do artista.

Ele entrará na Justiça para que a Bolsa, "casa idônea que tem o seguro da obra", seja a fiel depositária de "Fachada". "Retiraram o quadro sem embalagem. Aquele Volpi foi feito em têmpera. Se caiu uma gota, manchou. Não sai mais."


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