Folha de S. Paulo


Filme traça a história do rock no Camboja

Para ter uma prova da universalidade do rock and roll, não é preciso olhar além do Camboja nos anos 1960 e 1970.

Até mesmo lá, os jovens empunharam guitarras elétricas e estudaram os movimentos de Mick Jagger, misturando a melodia oriental com o ritmo ocidental de maneiras surpreendentemente novas.

Em um dos exemplos mais radicais do século 20 das consequências da política na cultura popular, a cena pop do Camboja foi eliminada com a chegada do regime militar do Khmer Vermelho, em 1975.

Desde então, o pop pré-Khmer Vermelho sobreviveu em fragmentos, mas a história por trás dele permaneceu desconhecida.

Hoje, depois de uma década de pesquisa feita pelo cineasta americano John Pirozzi, toda essa história foi contada em "Don't Think I've Forgotten: Cambodia's Lost Rock and Roll".

Por meio de clipes granulados de roqueiros com calças boca de sino e entrevistas, o filme traça a história da música e sua improvável resistência.

"A música permitiu ao povo cambojano ter acesso a uma época em que sua vida não era só guerra e genocídio", disse Pirozzi.

O desenvolvimento do pop cambojano refletiu a situação política do país no pós-guerra.

Os anos 1960 trouxeram uma era dourada, quando artistas como Sinn Sisamouth e Ros Serey Sothea, a mais famosa cantora local, abraçaram o rock and roll. Mais tarde, com a crescente presença americana por causa da Guerra do Vietnã, o rock mais duro e o soul floresceram.

O progresso terminou em abril de 1975, quando o Khmer Vermelho esvaziou Phnom Penh, a capital, e transformou o país em um enorme campo de prisioneiros.

Em "Don't Think I've Forgotten", essa história tumultuada é o pano de fundo para um rico elenco musical, a maior parte do qual morreu no período do Khmer Vermelho.

Ele inclui Yol Aularong, carismático proto-punk que zombou da sociedade conformista, e Pou Vannary, que fez uma versão bilíngue de "You've Got a Friend", de Carole King.

A música que eles criaram continua apreciada não apenas pelos cambojanos, mas também por conhecedores do rock em todo o mundo, por sua criatividade espirituosa.

Uma das descobertas de Pirozzi é a banda Baksey Cham Krong, que tocou um tipo inocentemente romântico de surf-rock e é considerada o primeiro grupo de guitarras do Camboja.

"Éramos iguais a todo mundo", disse Mol Kagnol, 69, guitarrista da banda, em entrevista em sua casa no Arizona. "Tínhamos guitarras elétricas. Podíamos pular, dançar e ser felizes. O Khmer Vermelho destruiu tudo isso."

Pirozzi chegou a essa música por acaso. Um amigo lhe deu uma cópia do disco "Cambodian Rocks", compilação pirata de 1996. Fascinado, ele começou a investigar a história.

Uma revelação ocorreu quando ele teve acesso a filmes feitos pelo rei Sihanouk, o líder do país que amava as artes, incluindo um tesouro de apresentações de época que são entremeadas no filme. Ele descobriu Sieng Vanthy, jovem cantora nos anos 1970 que é vista em clipes vestida como Cher e dançando como uma Grace Slik selvagem.

"O Khmer Vermelho entendeu o valor dos artistas e sua conexão com o grande público", disse Pirozzi. "Eles são a voz do povo. Você não pode controlá-los, então os elimina."

A maioria dos discos foi destruída. Mas muitas canções foram copiadas em fitas cassete e CDs, que circularam amplamente no Camboja e em enclaves de imigrantes ao redor do mundo.

Um pesquisador do genocídio, Youk Chhang, do Centro de Documentação do Camboja, é produtor-executivo do filme.

Ele o considera uma maneira de compreender a cultura que precedeu e sobreviveu ao genocídio no país.

"Esta é uma forma completamente diferente de contar a história, sem falar em prisão, mortes e tribunais", disse ele.

"Ela restaura a parte que falta em nós, a nossa identidade."


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