Folha de S. Paulo


'Casa Grande' expõe abismo social do país sob olhar de jovem

É noite na Barra da Tijuca. Sentado à beira de uma piscina, Hugo (Marcello Novaes) se levanta e se dirige a sua mansão: numa sequência de mais de três minutos vai apagando as luzes dos cômodos do casarão de três andares, "1.400 metros de área construída".

Estreia de Fellipe Barbosa na direção de um longa de ficção, "Casa Grande" retrata a derrocada financeira de uma rica família carioca. O título do filme, alusão à obra do sociólogo Gilberto Freyre, já anuncia que o embate social está no centro da trama.

O longa adota o ponto de vista de Jean (Thales Cavalcanti), estudante do São Bento, tradicional colégio para meninos da classe alta do Rio, que aos poucos assiste à falência da família, chefiada pelo personagem de Novaes.

Divulgação
Cena do filme
Thales Cavalcanti faz Jean, o protagonista do filme "Casa Grande"

Os empregados vão sendo dispensados. A mãe, dondoca que fala em francês com o marido, se vê obrigada a vender produtos de beleza às amigas para ajudar nas despesas da casa. Um dia o motorista da família é demitido.

"Tirou férias" é a justificativa que Jean ouve do pai, gestor de fundo de investimento envolvido com ações do conglomerado de Eike Batista.

Forçado a ir à escola de transporte público, Jean sai do casulo para descobrir os contrastes da cidade em que vive.

Em entrevista à Folha, o diretor afirma que quis confrontar a riqueza, encará-la de forma crítica –universo, aliás, que lhe é familiar: Barbosa estudou no mesmo colégio que o protagonista e também testemunhou a própria família entrar em colapso financeiro.

"O filme é baseado em fatos da minha vida, mas tem muita construção", diz o diretor. "Há algo de cômico numa família que tinha quatro carros e passa a ter dois porque está ficando pobre. No Brasil, mobilidade social é tão difícil para cima quanto para baixo."

É no trajeto de ônibus para o colégio que Jean conhece Luiza (Bruna Amaya), garota parda, estudante de escola pública, com quem passa a sair e que será uma das fontes de embate com a sua família.

Numa das cenas, um churrasco de domingo, o sistema de cotas vira assunto. "Com elas o nível das universidades públicas vai cair", diz um amigo do pai de Jean. A garota rebate: "Que médico ou advogado negro vocês conhecem?".

A mulher do amigo intervém: "Ah, tem aquele advogado negro, o Joaquim Barbosa, que nunca precisou de cota nenhuma para virar presidente do Supremo".

NOVO 'O SOM AO REDOR'

"Casa Grande" faturou prêmios nos festivais do Rio (melhor filme segundo o público), Paulínia (menção especial do júri) e na Mostra de São Paulo (melhor longa nacional segundo a crítica).

Também fez carreira internacional em festivais como San Sebastián e Roterdã, onde foi comparado a outro drama social, "O Som ao Redor" (2012), do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho.

"O filme dele traz um mosaico de personagens. O meu tem uma narrativa mais clássica, funciona em torno do que o protagonista não sabe."

A semelhança, contudo, "é natural", segundo Barbosa. "Estamos os dois falando do Brasil, o Kleber por meio da rua dele; e eu, por meio da casa da minha adolescência."

E como o diretor encara o fato de seu drama social estrear em meio a uma semana marcada por protestos nas principais cidades do país?

"O filme é o oposto a essas manifestações, a esse desejo de linchamento, a esse grito desordenado sem qualquer proposta", diz. "Eu tento ter compaixão pelos dois polos, pela direita e pela esquerda."


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