Folha de S. Paulo


Referência na MPB, Hermínio Bello de Carvalho faz 80 com livro e shows

Os retratos de Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Aracy de Almeida são como divindades nas paredes do poeta, compositor e produtor Hermínio Bello de Carvalho. Aos 80 anos, completados em 28 de março, ele recorda os amigos mortos com a quentura de quem pensa neles todas as manhãs, no gabinete forrado por imagens de artistas ligados à sua história.

"O Paulinho da Viola diz que não sente saudades de nada. Eu sinto saudades de muita coisa", diz Hermínio à Folha, em seu apartamento no bairro do Botafogo, no Rio. "Do ano passado para cá, perdi uma penca de amigos. Isso me deixou totalmente abalado. Fico choramingoso. Pego o telefone, ligo pra pessoa e me lembro que ela morreu. Perdi Fauzi Arap, um mestre. Perdi a Marlene. Foi uma sucessão de perdas, umas 15 pessoas".

A nostalgia não inspira desânimo. Para comemorar os 80 anos, Hermínio lançará em 23 de abril, "o dia de São Pixinguinha", o livro de poemas inéditos "Meu Zeppelin Prateado" (pela livraria e editora Folha Seca). Mais adiante, virá "Porta-retratos - Memórias Afetivas", uma coletânea de 50 perfis de artistas ilustrados pelo caricaturista Baptistão.

Acervo Hermínio Bello de Carvalho
Tom Jobim, Chico Buarque, Sérgio Ricardo, Edu Lobo e Hermínio Bello de Carvalho em reunião da Sombrás (Sociedade Musical Brasileira), entidade de defesa dos direitos autorais, nos anos 70
Tom Jobim, Chico Buarque, Sérgio Ricardo, Edu Lobo e Hermínio Bello de Carvalho em reunião da Sombrás (Sociedade Musical Brasileira), entidade de defesa dos direitos autorais, nos anos 70

Além dessas publicações, prepara um show e um DVD em homenagem ao cinquentenário do "Rosa de Ouro", o espetáculo de samba montado em parceria com o diretor Kleber Santos, do Teatro Jovem, no qual resgatou a estrela Aracy Cortes e consolidou a revelação da cantora Clementina de Jesus. Ainda este ano, segundo o produtor Luiz Boal, seu cancioneiro deve ser apresentado por vários intérpretes na série de oito shows "Hermínio Bello de Carvalho aos 80: Uma Rosa Para o Poeta".

VELHA GUARDA

Nascido em 1935, Hermínio se inclinou desde a juventude pela valorização da velha guarda da música popular brasileira, e fez isso com tanta força que sua cronologia parece se iniciar nas rodas de samba de Tia Ciata. Em 1968, produziu Pixinguinha, João da Baiana e Clementina no disco "Gente da Antiga"; e ainda guardou fôlego para um tributo à verde-e-rosa no "Fala Mangueira!", que reuniu Carlos Cachaça, Cartola, Nelson Cavaquinho, Odete Amaral e, outra vez, Clementina.

A lista de cantoras por ele produzidas remete a várias vertentes da canção brasileira. Oito nomes: Marlene, Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Elizeth Cardoso, Zezé Gonzaga, Alaíde Costa, Elza Soares e Simone.

Revelada em 1972 no programa "A grande chance", de Flávio Cavalcanti, mas por décadas circunscrita ao circuito boêmio do Rio, Áurea Martins reconquistou a visibilidade apenas em 2007, com o lançamento do CD "Até Sangrar", produzido por Hermínio.

"Zezé Gonzaga nos aproximou. Ele me levou pra Biscoito Fino, gravou três discos e um DVD, envolvendo Fernanda Montenegro e Chico Buarque. A nossa convivência é normal, não invado a privacidade dele. É uma pessoa discreta, mas sabe que somos irmãos. Ele fala do cotidiano de uma forma sofisticada. Tanto o intelectual quanto a pessoa menos letrada entendem", afirma Áurea, que se uniu a Alaíde Costa no musical "Elizethíssima - Uma sincera homenagem a Elizeth Cardoso", idealizado por Hermínio e com direção de Duda Maia.

"Gosto de dois tipos de trabalho que fiz na minha vida, em termos de gravação: o trabalho todo com Clementina, de dez discos, e o LP chamado 'Doce Veneno' [1979], com a obra do Valzinho [compositor e violonista], precursor da Bossa Nova. São dois polos distintos", Hermínio compara.

Sempre letrista, compôs com parceiros como Baden Powell ("Samba da partida"), Cartola e Carlos Cachaça ("Alvorada"), Chico Buarque ("Chão de esmeraldas"), Dona Ivone Lara ("Unhas"), Elton Medeiros ("Pressentimento"), Maurício Tapajós ("Mudando de Conversa"), Paulinho da Viola ("Sei lá, Mangueira", "Timoneiro"), Pixinguinha ("Fala baixinho"), Sueli Costa ("Cobras e lagartos") e Zé Keti ("Cicatriz").

Cerca de 20 canções suas são permanentemente tocadas nas rádios. "A arrecação é oscilante. Não dá para pagar meu plano de saúde, a farmácia e os médicos", estima o compositor. "Não sou um homem rico. Sou um aposentado que trabalhou numa companhia marítima. Fui trabalhar com 15 anos. Quando fiz 40 anos, pensei: deixa eu sair da zona de conforto e tentar viver somente da vida artística".

Acervo Hermínio Bello de Carvalho
Roberto Carlos, Clementina de Jesus e Hermínio, em 1978
Roberto Carlos, Clementina de Jesus e Hermínio, em 1978

No Zicartola, a casa de samba de Zica e Cartola, seus afilhados de casamento, conviveu com alguns dos protagonistas do seu primeiro projeto influente. "Eu estava todo dia com o Hermínio, na época do Zicartola. Quando surgiu na cabeça dele o Rosa de Ouro, ele chamou as pessoas próximas", relembra o sambista Elton Medeiros, 85, um dos integrantes do show de 1965, para o qual também foram convocados Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento e Paulinho da Viola.

Autor do perfil biográfico "Timoneiro" (Casa da Palavra, 2006), o jornalista Alexandre Pavan avalia que a importância de Hermínio "extrapola a música popular": "Ele é um artista de múltiplas facetas justamente porque seu pensamento também é abrangente. Da mesma maneira que seu ídolo Mário de Andrade, ele enxerga a cultura de maneira ampla e integrada, sem a necessidade de compartimentações".

No método Hermínio há o compromisso de deixar "resíduos culturais". Nesse sistema, um espetáculo origina um disco, um livro ou um registro audiovisual. Em 2011, ele doou uma coleção de discos, fotografias, livros e vídeos ao MIS (Museu da Imagem e do Som) do Rio —e repete aos colegas que este é o melhor destino para os arquivos musicais.

CULTURA E PREGUIÇA

"A memória nacional está coberta por desprezo e preguiça. Na cultura existe muita gente preguiçosa", critica Hermínio. "A cultura é dinâmica, então ela tem que ter um processo de gestão que seja dinâmico. Não tenho preguiça pra nada".

A demissão da ex-ministra Ana de Hollanda demonstraria o baixo prestígio do setor. "Ela teve muito pouco tempo. O Ministério da Cultura vale tão pouco pra este governo e pra todos os governos que passaram, que virou moeda de troca. Dona Marta [Suplicy, sucessora de Ana na pasta] quer um gabinete ministerial, quer trono, quer coroa, quer manto com arminho? O que tem pra ela? Dá o Ministério da Cultura. Tenho horror disso. Tenho enorme respeito e carinho pela profissional Ana de Hollanda", defende.

O tempo desfez os cachos brancos de Hermínio, agora resignados aos fios escorridos. Sua fala permanece cacheada, plena de reminiscências, incisiva de repente: "Como é que vai a música brasileira? Qual delas? A imposta no rádio e na televisão ou essa subterrânea, que vive nas vielas, nos esgotos, querendo flutuar, vir à tona, mas não consegue espaço?".

Alexandre Pavan
Hermínio em seu apartamento, no Rio
Hermínio em seu apartamento, no Rio

Idealizador do Projeto Pixinguinha, encampado pela Funarte em 1977, Hermínio acredita na atualidade do conceito: "A cultura tem que circular". Responsável por turnês de jovens artistas ao lado de outros consagrados, o Pixinguinha foi extinto em 1997, reativado em 2004 e enfrentou um segundo declínio a partir de 2008.

"O Juca Ferreira deveria pegar o histórico do Pixinguinha, os álbuns feitos pela Funarte, para ler e dimensionar o custo disso, que é alto", sugere Hermínio. "Desconheço as razões políticas ou econômicas que fizeram com que esse projeto fosse encostado". E destaca mais duas criações implementadas na Funarte: o "Projeto Lúcio Rangel", com 30 monografias publicadas, e o "Projeto Almirante", voltado para a gravação de autores considerados não comerciais.

Por e-mail, a assessoria do MinC respondeu que o ministro Juca Ferreira "reafirma sua posição" sobre o Pixinguinha: "Segundo ele, o projeto foi inovador e deu visibilidade para artistas talentosos que, em certo período, não tinham espaço para se apresentar. Hoje, diz o ministro, é preciso repensar o modelo do Pixinguinha, tendo em vista o cenário atual do campo da música que vem passando por uma série de transformações tecnológicas e econômicas".

Haverá mais um respiro. "A Funarte informa que o Pixinguinha já tem uma edição prevista para 2015, voltada para as regiões Nordeste e Norte. Nesta versão, os artistas das duas regiões deverão também se apresentar nos estados do Sudeste. Os músicos, compositores e cantores emergentes terão os shows gravados e disponibilizados no site da Fundação", promete o MinC.

APITO DE OURO

O zelo pela eternidade dos amigos produziu um episódio de superprodução. Em janeiro de 1992, Hermínio buscou reparar uma falha da Mangueira com o compositor Herivelto Martins, jamais homenageado em desfiles, apesar de ter sido autor de clássicos do Trio de Ouro em louvor da Estação Primeira. No aniversário de 80 anos, Herivelto foi acordado pela bateria mirim da Mangueira e chorou ao ver o carnaval romper no asfalto da Urca. "Dei um apito de ouro pra ele", lembra o produtor.

Na última década, assumiu a missão de não deixar que o Brasil se esqueça da cantora Aracy de Almeida. "Em 2004, ela ia fazer 90 anos e nenhum jornal falou nada. Eu fiquei injuriado e fiz um pequeno livrinho com as minhas memórias da Aracy. Quando chegou os 100 anos, eu disse: não, quero fazer uma coisa maior. Peguei um repertório fantástico, fiz o roteiro e a direção do show e botei o Marcos Sacramento e o Luiz Flávio Alcofra", relata. O espetáculo "Aracy de Almeida - A Rainha dos Parangolés" estreou em 2014 e retornará no segundo semestre, no Teatro Municipal de Niterói.

Esse defensor do sucesso alheio se sente reconhecido —mas, novamente, não perdoa esquecimentos injustos. "Entre os músicos e as pessoas que me conhecem, entre os jornalistas, não tenho do que me queixar. Tenho que me queixar quando morre a Marlene e não tem um obituário decente. Isso me choca. Isso é uma pobreza, é uma distração inadmissível", chateia-se.

Sobrevivente de um AVC, um infarto e dois cânceres de mama, Hermínio se vê mais caseiro, dedicado a leituras e à escrita de poemas. Quando fala de si, retorna sem demora à esfera pública: "Não dou as caras muito por aí. Tanto que, nos meus 80 anos, não queria uma glorificação da obra, mas que se falasse dos meus projetos culturais, exemplos do que pode ser feito. Um 'Seis e Meia', de Albino Pinheiro, faz falta. O Rio precisa de um centro de música popular permanente, para que as pessoas saiam do trabalho e possam ver seus artistas".

Reprodução
Hermínio Bello de Carvalho e Drummond durante a festa de aniversário de Jota Efegê, em 1982
Hermínio Bello de Carvalho e Drummond durante a festa de aniversário de Jota Efegê, em 1982

Dez anos depois da antologia poética "Embornal", o livro "Meu Zeppelin Prateado" surge como auto-presente de aniversário. O poeta reconhece as fronteiras suaves entre o poema e a letra de canção. "Você não domina a palavra e o sentimento que lhe move a escrever. Pode virar um poema, uma música, um hino de escola. São coisas imprevisíveis", explica.

A musicalidade pode se esconder sob as camadas dos versos. "Outro dia estava aqui e escrevi. 'Isso não está sendo letra de música, está sendo um poema', pensei. Ele se construiu como um poema. Quando acabou, não era um poema musicável. Definitivamente, não era. Vital Lima veio me visitar, mostrei. E ele musicou, ficou fantástico, lindo". Como proeza, menciona a letra de "Pressentimento" ("Ai ardido peito/ quem irá entender o seu segredo/ quem irá pousar em teu destino/ e depois morrer de teu amor..."): "Não tem rimas. Já prestou atenção?".

Na manhã de janeiro, Hermínio oferece uma esticada na conversa: "Vamos à Taberna da Glória?". Caminhará sereno entre as mesas do bar-restaurante em que descobriu Clementina, a Rainha Quelé. "Agora estou em meu habitat". Propõe ao dono que um dia exponha retratos de Quelé, Noel Rosa e Mário de Andrade, célebres frequentadores da casa nascida em outro ponto da Glória. No primeiro gole de vinho, ergue o copo e livra-se da pele de entrevistado: "E você, do que sente saudade?".

MEU ZEPPELIN PRATEADO
AUTOR Hermínio Bello de Carvalho
EDITORA Folha Seca
QUANTO R$ 28 (88 págs.)
LANÇAMENTO dia 23/4, às 14h, na livraria Folha Seca, Rua do Ouvidor, 37, Rio; tel. 21-2224-4159

Leia dois poemas de "Meu Zeppelin Prateado

O sonhador
Pisoteava as estrelas
qual um celerado
e atropelava os cometas
desatinado.
E cuspia pedras
e vomitava cacos de vidro.
Seu corpo parecia uma lâmina de aço escovado
porém enferrujado.
Croacas, excrementos à sua sobrepele.
Não dizia palavras
porque não as sabia.
Nascera, por natureza,
incomunicável.
Olhos surdos, ouvidos cegos, mãos craqueladas.
Um dia, pensou em construir-se
como se fosse uma casa.
Com habilidade, levantou muros de paina
e um telhado de fuligem.
Contornou seus olhos com uma tinta negra
e despiu-se do pouco que o cobria
e deitou para esperar que o viessem buscar.
Marcava as horas fitando o sol e as estrelas
comia vento, folhas, frangalhos de jornais.
E um dia zarpou, não se sabe pra onde.
Hoje é um animal alado, de crinas douradas,
que galopa veloz por entre nuvens.
Pensa-se um santo, ora satanás. É, enfim, e apenas,
um louco a mais.

*

Custo caro. Eu custo muito papel moeda.
Todo dia que acordo, acordo cheio de ideias, e essas ideias
custam caro.
O mercado me acena, eu digo bom dia, e passo indiferente.
Mas sei que eu custo caro.
Levei mais de 70 anos para ser curtido, para ver minha
pele enrugar,
para entender minha engrenagem de homem que não quis
passar em vão pela vida
ou que não quis encurtar seus caminhos através da bajulação,
do sim senhor, não senhor.
Eu custo caro.
Meu preço é uma insônia absurda, é uma dor que nenhum
comprimido cura,
nenhuma cirurgia pode extirpar de mim essa coisa ruim
que me faz enxergar o mundo por uma ótica
particular, desesperante: porque eu custo caro.
Custo o preço de uma tonelada de ouro ou uma penca
de bananas,
um colar de raros diamantes ou um prato de feijão com
arroz.
Custo o preço de meu pensamento, de minhas inglórias,
de meus fracassos
que resultaram no meu aprendizado.
Por isso custo custo muito a entender essa engrenagem torpe
essa bajulação escancarada, essa afronta dos falsos e
deletérios sábios
que vivem, diariamente, sofregamente, insistentemente,
a te provar
que custas barato, que teus pensamentos - ah! pensamentos
- podem ser adquiridos a um mil réis ali na porta
daquele botequim
onde eles negociam seus projetos de vida, e expõem suas
egocentrias
com um despudor dos cachorros que cagam no meio da rua
e depois abanam o rabo, e deixam suas fezes expostas na
calçada.
Já ditei meu epitáfio: não vim ao mundo para fazer gracinhas.
Estou cansado, aliás estou mais cansado do que
propriamente idoso.
Rugas, elas chegam e se instalam. Sonhos permanecem.
Eu custo muito caro, e não estou à venda.

*

Leia trechos do livro "Porta-retratos - Memórias Afetivas", de Hermínio Bello de Carvalho, sem data definida de lançamento

CLEMENTINA DE JESUS

"Foi a primeira sensação quando a vi pela primeira vez, na Taberna da Gloria, nas festas da Padroeira, isso em agosto de 1962: a de que se parecia por demais com meu santo de devoção [Pixinguinha]: a fôrma das narinas dilatadas era o que mais os aproximava nessa parecença, semelhança que a ela também já ocorrera. Comparando hoje algumas fotos dos dois, não vejo como despropositado tê-la chamado de Pixinguinha de Rendas, ideia logo propagada pela imprensa. Dei-lhe o rótulo de "partideira" —designativo que Ismael Silva, com sua indiscutível autoridade, afirmara jamais ter ouvido em sua vida, logo ele! um dos que bateram as estacas iniciais da primeira escola de samba (primeira! afirmava ele).

No trato, sempre doce. Lembro uma ida à feira numa cidade do interior, quando foi abordada por uma desconhecida: "Conheço a Senhora da televisão!!!!". E ela, abraçando a outra efusivamente: "Eu idem". Certa vez, num show-benefício patrocinado pela Sombrás, pediu um cafezinho. O poeta Aldir Blanc foi à luta, e nada encontrou nas imediações do teatro. Voltou horas depois com um copo de café que, obviamente, esfriara no caminho. E ela, saboreando o negrume gelado: "Está ótimo! Gosto mesmo assim, quentinho". Flor de delicadeza, educação."

BADEN POWELL

"Não, não me lembro como o conheci, como foi a primeira vez. Os abraços, possíveis apertos de mão, os ossos à flor da pele, o sorriso tímido —tudo isso eu conheceria bem depois. Presumo até que tenha sido (ah! evocações da Rádio Nacional) ouvindo-o no programa de calouros do Renato Murce, ele ainda com o sobrenome de Aquino fornecendo-lhe identidade.

Vamos para um estúdio, isso em 1970, quando produzi o "Falou e disse" e mandei que convidassem o Baden para tocar no então LP. Era uma época difícil: vivíamos rosnando um pro outro, antipatia mútua nascida do sei lá, do não sei porquê. Aliás, a Divina explicava: Baden era ciumento com suas amizades. E eu, tão próximo de Elizeth, deveria mover a antipatia que ele nutria por mim e eu, de criancice, retribuía com irrazoável fervor. Quatro músicas de Baden e Paulinho Pinheiro as incluí no disco. Mas vale um registro: a faixa "Carta para um poeta" me parecia a mais excepcional (sim, tem o lindo "Refém da solidão") —e pensei numa longa introdução de Baden, para acolchoar a entrada de Elizeth naquele matagal de versos belíssimos. "Olha, Elizeth, preciso que o violão faça um intro assim assim...", instruía eu pelo microfone. Baden, obediente, mas sem me retribuir palavras. É das faixas mais comoventes da discografia de Elizeth. Nem assim, ali, plantaríamos uma semente de cordialidade. Mas Baden adorou o resultado, isso estava explícito na olhada oblíqua que me deu, e que interpretei como um sinal de futuro bom relacionamento."


Endereço da página: