O Fringe, mostra paralela do Festival de Curitiba, é uma espécie de loteria. De porta em porta, os espectadores mais dedicados vão entrando em teatros de pequeno e médio portes, em horários que começam logo depois do almoço e seguem até a meia-noite.
Nesse trajeto, a plateia compartilha muitas vezes o sofrimento de um punhado de atores e diretores imaturos, até que enfim apareça algo como "Tchekhov", com texto e direção de Ana Rosa Tezza.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Tatiana Dias (esq), Evandro Santiago (centro) e Marcelo Rodrigues (dir) em cena de 'Tchekhov' |
Com elenco jovem, essa pérola concebida para uma sala de palco pequeno chamada Ave Lola recria textos de Anton Tchékhov (1860-1904) com mecanismo cênicos mais antigos do que a escola que o dramaturgo russo representa, o realismo e sua proposta de aproximação com narrativas psicológicas.
Há aí uma inversão interessante. Se Tchékhov foi uma renovação do cenário teatral no século 19, o "Tchekhov" do Ave Lola joga luz justamente sobre a "velharia" por ele dispensada. Há um termo, mais usado pela moda, para este tipo de olhar: a peça é vintage dos pés à cabeça.
O espetáculo amarra duas histórias. Na primeira parte, adaptação para o conto "Aniuta", uma cigana escapa de uma matança e ganha abrigo na casa de um médico.
Após um intervalo, o segundo ato resgata da biografia do autor o episódio sobre seu fracasso na estreia da peça "A Gaivota", em 1896, bem como a recuperação do valor do texto pela encenação do diretor Constantin Stanislavski (1863-1938) dois anos depois.
Trabalhados com detalhismo ímpar, os recursos da peça são típicos da farsa ou dos antigos teatros populares itinerantes que passeavam pela Europa sob a luz da Renascença. Com cuidado artesanal, dois músicos executam a trilha ao vivo, em um mezanino acima do espaço cênico.
Da pobreza de recursos, surgem ideias simples e brilhantes, como o passeio de dois personagens por um rio. Com quatro banquinhos, que são deslocados durante a cena por outros atores, constrói-se a imagem de um caminho de pedras. Sem grandes inovações, é verdade. E fofo demais.