Folha de S. Paulo


Festival de jazz une sul-africanos a seleção do resto do mundo

Do virtuosismo vocal do veterano americano Al Jarreau, 75, ao frescor da revelação espanhola Andrea Motis, 19, o Cape Town International Jazz Festival, que acontece nesta sexta (27) e sábado (28) na Cidade do Cabo, na África do Sul, apresenta um line-up que parece dar conta da ousadia do seu slogan, "O Grandioso Encontro da África".

São 41 atrações, com uma divisão equilibrada entre sul-africanos (21) e estrangeiros (20). No time da casa destacam-se o genial trompetista Hugh Masekela e o coral das Mahotella Queens, bem como Ringo Madlingozi e Yvonne Chaka Chaka.

Masekela

Entre os forasteiros, além de Jarreau –ganhador de sete prêmios Grammy– e Motis –a menina catalã que canta como mulherão e toca trompete e sax ao lado do seu mestre Joan Chamorro–, se apresentam na Cidade do Cabo os americanos Gerald Clayton Trio, Amel Larrieux e Dee Dee Bridgewater (esta com Irvin Mayfield e a New Orleans Jazz Orchestra), os britânico Courtney Pine e Sons of Kemet, os suecos do Dirty Loops, a polonesa Basia, entre muitos outros.

O fato de o festival carregar o jazz em seu nome não mascara a verdade inevitável de que, também aqui, o significado desta palavra se ampliou a ponto de abarcar incontáveis ritmos e tendências, que juntos talvez estejam melhor abrigados na expressão "world music".

Num bom exemplo dessa amplitude, entre os convidados internacionais de 2013 estava a brasileira Céu, que está longe de ser definida como uma cantora de jazz.

"Pensamos que vale a pena misturar um pouco o line-up, que está mais aberto e convidativo a qualquer um. Temos um pouco de tudo –de lendas do jazz a novidades, sons diferentes, energia e vigor necessários à magia do nosso festival", disse o diretor do encontro, Billy Domingo.

São esperadas 37 mil pessoas nos dois dias do festival, que se espalha por cinco palcos no centro de convenções da cidade. Os ingressos estão esgotados há várias semanas.

MÚSICA EM CASA

Antes de soar o primeiro acorde, os sul-africanos mostraram, a jornalistas convidados para o festival, sua relação com a música.

O grupo de estrangeiros que cobre o encontro de jazz na Cidade do Cabo a convite do governo do país, do qual a Folha faz parte, esteve uma noite na casa de uma família comum na periferia da cidade, no bairro pobre de Langa, para assistir à apresentação de dois músicos do país.

Henry Jeane, 50, o mestre, e seu pupilo Si Song, 26, deram um pequeno show de percussão e instrumentos de sopro, todos feitos artesanalmente com madeira, couros e chifres, enquanto Jeane explicava tudo e instava os jornalistas, a maioria africanos do sul do continente, a tocarem junto.

Ao fim da música, a dona da casa, Vuyo Nkonkie, serviu um jantar típico, com feijão condimentado (chakalaka), carneiro com batatas e purê de abóbora.

Fabio Victor/Folhapress
Os sul-africanos Si Song, 26, e Henry Jeane, 50, se apresentam numa casa no bairro de Langa, Cidade do Cabo
Os sul-africanos Si Song, 26, e Henry Jeane, 50, se apresentam numa casa no bairro de Langa, Cidade do Cabo

CICATRIZES

Nos jornais da Cidade do Cabo, o noticiário sobre o festival só teve menos espaço que a estátua de Cecil John Rhodes: estudantes de uma universidade local estão em campanha para pôr abaixo o monumento em memória a um dos ícones da colonização do país.

Para eles, manter de pé uma estátua do magnata britânico Rhodes (1853-1902), fundador da mineradora de diamantes De Beers e declaradamente eugenista, é incompatível com os novos tempos do país, que se redemocratizou em 1994 depois de 46 anos sob o apartheid.

O clamor dos estudantes –iniciado quando um deles atirou fezes na estátua- tornou-se um movimento nacional e tomou as redes sociais, sob a hashtag #RhodesMustFall (RhodesDeveCair).

Mas, mais contidos que os que derrubaram a marretadas monumentos a ditadores pelo mundo na segunda metade do século 20 e na alvorada do século 21, os jovens sul-africanos resolveram reivindicar a remoção do símbolo colonial. No ato mais recente, cobriram o monumento com sacos de lixo e cartazes comparando Rhodes a Hitler.

O ministro da Cultura sul-africano, Nathi Mthethwa, pediu paciência. Se é legítimo que os estudantes sejam ouvidos, disse ele, também é preciso entender os que valorizam símbolos da história do país. Mthethwa defende que se faça um debate mais amplo sobre o assunto antes de tomar uma decisão.

A controvérsia é um sinal inequívoco de que as cicatrizes do apartheid continuam a arder o país.

O jornalista FABIO VICTOR viajou a convite da South African Tourism e da South African Airways.


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