Folha de S. Paulo


Produção parece fora de lugar ao 'rechear' tom seco da Bíblia

O capítulo inicial de "Os Dez Mandamentos", primeira novela bíblica da TV brasileira (e mundial, segundo a Record), serviu para mostrar que a oportunidade de adaptar as Escrituras pode ser, ao mesmo tempo, uma bênção e uma tremenda dor de cabeça.

Isso porque muitos dos textos da Bíblia, em especial os do Antigo Testamento, são extremamente austeros quando o assunto é narrativa e caracterização de personagens.

Divulgação
Juliana Didone nos bastidores das gravações de 'Os Dez Mandamentos'
Juliana Didone nos bastidores das gravações de 'Os Dez Mandamentos'

Basta dizer que o comecinho do livro bíblico do Êxodo, que narra a escravidão dos israelitas no Egito e as origens de Moisés, em nenhum momento conta como se chamavam o faraó que decidiu oprimir o "Povo Escolhido", a filha dele que adotou o bebê Moisés ou mesmo os pais do menino (os nomes deles, curiosamente, só aparecem numa genealogia vários capítulos mais tarde).

O lado bom desse fato, do ponto de vista da autora da novela, Vivian de Oliveira, é a liberdade para "rechear" o esqueleto narrativo do Êxodo com os elementos tradicionais de qualquer novelão tupiniquim: paixões correspondidas e proibidas, vilões caricatos (já temos uma forte candidata a naja-mor do Nilo, a dama de companhia Yunet, interpretada por Day Mesquita) e por aí vai.

Assim, fica relativamente fácil transformar o minúsculo primeiro capítulo do Êxodo num capítulo de novela com uma hora de duração sem contradizer diretamente o que está no Antigo Testamento.

Mas há um preço a se pagar: é difícil evitar a sensação de dissonância, de que algo não está se encaixando.

A sucessão de jovens israelitas malhados (apesar das chicotadas constantes puxando blocos de pedra) e nobres egípcias de olhos azuis, com diálogos que poderiam estar sendo pronunciados no Leblon sem muitas alterações, parece fora de lugar para quem conhece o tom seco do texto bíblico.

Em defesa dos criadores da novela, pode-se dizer que eles se esforçaram para equilibrar esse lado "Manoel Carlos" da trama com tentativas de retratar com fidelidade o ambiente da época.

As várias referências à complexa mitologia egípcia na fala dos personagens, por exemplo, funcionaram bem, e o tema da fé em Deus, certamente caro ao público-alvo do folhetim, também foi explorado com competência.

Resta saber como a novela vai lidar com o clímax da história original, que contém alguns dos trechos mais sombrios, moralmente ambíguos e estranhos da Bíblia à mentalidade moderna.

Não será fácil falar de punição divina e genocídio numa novela "família".

OS DEZ MANDAMENTOS
NOVELA
AVALIAÇÃO regular
QUANDO de seg. a sex., às 20h30, na Record


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