Folha de S. Paulo


Milton Hatoum se destaca entre autores brasileiros no Salão de Paris

Com participação em mesas de todos os espaços que abrigaram programação brasileira no Salão do Livro, Milton Hatoum foi o escritor do Brasil com maior destaque no evento parisiense.

E, coincidência ou não, foi justamente durante sua apresentação que o presidente François Hollande visitou a feira de livros, permanecendo cerca de meia hora na sala reservada aos palestrantes do Centre National du Livre (CNL). De lá, ele podia escutar Hatoum contando como ficou surpreso com a recepção francesa de seu romance estréia, "Relato de um Certo Oriente".

Uma surpresa que certamente já se dissipou no tempo, com o sucesso das traduções de suas obras e, agora, com a HQ "Dois Irmãos" –que foi lançada primeiramente na França e só depois do Salão de Paris deve chegar às livrarias brasileiras.

A mesa com Hatoum e com os autores da graphic novel, Fábio Moon e Gabriel Bá, no domingo (22), lotou o pequeno auditório do estande oficial brasileiro (mas deve-se observar que a alta frequência do público aos eventos do país homenageado foi a marca positiva do Salão).

A curiosidade do público e do mediador Michel Riaudel (tradutor francês de Hatoum) recaiu sobre o fato de irmãos gêmeos serem responsáveis pela adaptação para quadrinhos do livro que narra justamente uma história de rivalidade entre gêmeos.

A tônica geral das apresentações do autor de "Cinzas do Norte", porém, foi a questão da imagem exótica que o Brasil ainda projeta pelo mundo e de como o autor de livros que se passam na Amazônia, com todo o potencial de estereótipo que isso representa, conseguiu escapar da carga simbólica herdada de Jorge Amado.

Hatoum evocou a "circularidade da literatura" para falar do modo como os relatos de "As Mil e uma Noites" aparecem filtrados pelo argentino Jorge Luis Borges na oralidade de seu primeiro livro. E falou do peso da leitura de Flaubert e Proust em "Dois Irmãos".

O que pareceria uma reivindicação de universalidade, no entanto, foi contrabalançado por comentários sobre o lugar específico do intelectual e do escritor latino-americano, uma condição que diz respeito menos a temáticas locais do que a uma percepção dos contrastes ("borgeanos", mas também políticos) entre centro e periferia.

A mesa de Hatoum com o romancista libanês Amin Maalouf, no Institut Français, ampliou essa ideia, ao incorporar a experiência dos imigrantes árabes e a relação com a língua dos ancestrais.

Maalouf celebrou a mestiçagem como a grande contribuição do Brasil, mas coube ao mediador Pascal Joudana encerrar a mesa colocando a mestiçagem linguística acima da mestiçagem racial: "A língua francesa é um 'créole' do latim, o que faz de todos nós mestiços e, portanto, brasileiros".

Caio Guatelli/Folhapress
O escritor amazonense Milton Hatoum, autor de
O escritor amazonense Milton Hatoum, autor de "Cinzas do Norte" e "Órfãos do Eldorado"

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