Folha de S. Paulo


Com três guarda-costas, Polanski conta em Paris anedotas sobre cinema

Cercado por um esquema de segurança ostensivo, com três guarda-costas mobilizados para acompanhá-lo, o cineasta polonês naturalizado francês Roman Polanski, 81, falou nesta sexta-feira (20) no Salão do Livro de Paris sobre adaptações literárias para o cinema.

A truculência dos leões de chácara no momento em que o diretor deixou o lotado pavilhão das cidades polonesas de Cracóvia e Breslávia, onde aconteceu o encontro, fez pensar na paranoia que acossa os personagens de "O Bebê de Rosemary" (1968) e "O Inquilino" (1976) –para citar dois romances que Polanski transformou em filmes.

É fato que o passado tem batido insistentemente à porta do cineasta nos últimos tempos. Em fevereiro, os Estados Unidos conseguiram fazer com que ele fosse ouvido em Cracóvia (por quase nova horas, segundo relatos) sobre o episódio em que teve uma relação sexual com uma menor de idade, em 1977, na Califórnia.

Àquela época, Polanski se declarou culpado e chegou a passar 42 dias na prisão como parte de um acordo com a Justiça, mas acabou fugindo em seguida para a Europa, temendo que o trato fosse revisto. Desde 2009, os EUA têm trabalhado ativamente pela extradição de Polanski –que chegou a ficar preso por dois meses naquele ano, na Suíça.

Dias atrás, uma nova audiência na Polônia foi agendada para 9 de abril. Se o juiz entender que o pedido norte-americano é procedente, a palavra final caberá ao Ministério da Justiça polonês.

Tudo isso para dizer que o tema tabu ficou de fora da conversa no salão, marcada por um tom inofensivo e predominantemente anedótico. Nenhuma pergunta tirou o cineasta de sua zona de conforto.

"Vi o 'Hamlet' (1948) de Laurence Olivier [protagonista e diretor] umas 20 ou 22 vezes quando tinha 14 anos", contou, sobre a adaptação da obra de Shakespeare que foi uma das pedras fundamentais de sua formação cinéfila. Anos depois, ele mesmo assinaria uma versão de outro texto fundador do dramaturgo inglês, "Macbeth" (1971).

Polanski falou também da preocupação em criar roteiros que sejam tão fiéis quanto possível aos livros que os inspiraram. "Em 'O Escritor Fantasma' (2010), cheguei a discutir com o autor da história original, Robert Harris, a possibilidade de manter a narração em primeira pessoa. Mas, depois de alguns dias de trabalho, vimos que o script ficaria longo demais", lembrou.

A respeito de projetos de adaptação que não pôde concretizar, o diretor guarda afeição especial pela releitura fílmica de "O Mestre e Margarida", do russo Mikhail Bulgákov (1891-1940).

Uma versão polanskiana que viu a luz do dia, por outro lado, rendeu a alfinetada do dia. "Faye Dunaway [protagonista de 'Chinatown', de 1974, ao lado de Jack Nicholson] era uma chata de galocha".

A incursão de um colega menos experiente pelo campo minado da transformação de uma obra literária em imagem animada tampouco passou incólume: o alvo de Polanski foi a mais recente revisão de "O Grande Gatsby", em 2013, pelo australiano Baz Luhrmann.

"Depois de ter o visto 'Moulin Rouge' (2001, do mesmo diretor), sinceramente não tinha muita vontade de assistir ao 'Gatsby' dele. Mas até que se revelou interessante. Só gostaria de ter visto uma atriz melhor [do que a inglesa Carey Mulligan] no papel de Daisy Buchanan [por quem o personagem-título é apaixonado]", disparou o diretor de "O Pianista" (2002).


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