Folha de S. Paulo


Jon Stewart deixa TV após criar herdeiros da mescla de jornalismo e humor

Em anúncio repentino, que ocupou o alto dos noticiários norte-americanos em fevereiro, Jon Stewart declarou que deixará de fazer o "Daily Show", programa de sátira jornalística e política que comandou por mais de uma década e meia pelo canal a cabo Comedy Central.

Se nos Estados Unidos o apresentador-comediante deixa uma leva de herdeiros (veja nesta página), no Brasil, o formato, que mistura stand-up com noticiário editorializado, ainda não pegou.

Na semana passada, os brasileiros viram um pouco do legado de Stewart por meio do quadro do britânico John Oliver que ironizou a presidente Dilma e as manifestações contra a corrupção.

No formato celebrizado por Stewart e consumido principalmente por pessoas com menos de 35 anos nos EUA, as notícias recebem tratamento humorístico após serem investigadas à exaustão por uma equipe de jornalistas e redatores.

Editoria de Arte/Folhapress

Para Marcelo Tas, que usou fórmula similar no "CQC" (Band), o segredo está num alto investimento no conteúdo jornalístico tanto quanto no da comédia. "Para cada 'palhacinho' com microfone na mão, tinha de haver de um a três jornalistas atrás apurando e produzindo a reportagem", disse à Folha.

Já o humorista Gregorio Duvivier, do Porta dos Fundos e colunista da Folha, considera que o sucesso do gênero moldado por Stewart está na aceitação de que todo jornalismo é parcial.

"O jornalismo antigo tendia a esconder isso –mal e porcamente. Os jovens já não acreditam no mito da imparcialidade e preferem um jornalismo que dá as caras. Se há uma tendência do leitor, essa tendência é: saber quem está falando."

Duvivier também se declara fã de Colbert. "Ele nunca disse uma palavra que não fosse irônica. Você nunca tem acesso ao que ele realmente pensa. Isso exige muito do espectador, o que é ótimo."

Os jornalistas e comediantes entrevistados pela Folha apontam razões pelas quais esse tipo de atração não engata no Brasil. Para o colunista do "F5" Tony Goes, a resposta está na falta de tradição em comédias de stand-up. "Ainda estamos numa primeira geração e o nível é baixo. Nível educacional mesmo. Um cara como o Danilo Gentili até tenta fazer humor político, mas a formação dele é simplesmente ruim."

Já Marcelo Tas aponta para uma falta de visão dos programadores das emissoras.

"Creio que o Brasil está preparado e receberia com entusiasmo. E quanto às autoridades a serem entrevistadas, bastaria a primeira fazer sucesso para se formar uma fila grande de gente querendo ser entrevistada de forma mais desconstruída, como esses apresentadores fazem."

Duvivier é menos otimista e culpa a legislação brasileira, que considera proteger demasiado a classe política, impedindo peças de humor sobre ela. "Dois vídeos do Porta dos Fundos já foram retirados do ar por determinação judicial, algo impensável para uma democracia mais estabelecida. Jon Stewart, no Brasil, não sobreviveria ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral)."

Tas considera que o humor não compromete a qualidade jornalística, ao contrário, a reforça. "Quando o bom senso está em extinção, o nonsense vira necessidade básica."

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Assista abaixo a vídeos dos comediantes

Jon Stewart sobre o "Charlie Hebdo":

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Jon Stewart defendendo a pizza da cidade de Nova York:

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John Oliver sobre o governo Dilma:

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Stephen Colbert recebe Barack Obama:

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Larry Wilmore sobre a falta de negros entre os indicados ao Oscar:

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Steve Carell faz receita de Halloween no 'Daily Show'

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