Folha de S. Paulo


Crítica: Butusov, como Stanislavski, redescobre 'A Gaivota'

Os diretores Antunes Filho, 85, e Zé Celso, 77, não arredaram pé da apresentação para convidados de "A Gaivota", que terminou por volta de 1h30 de sexta-feira, cinco horas depois de começar.

A atitude é um tributo à encenação do colega russo Yuri Butusov para o grande clássico moderno, ao frescor que trouxe para um texto que ambos e boa parte da plateia conheciam bem demais.

Em uma peça sobre o próprio teatro, com atrizes e dramaturgos como protagonistas, Butusov se dá a liberdade de tratar o original como se estivesse num ensaio, sem compromisso com produto final.

Ekaterina Tsvetkova/Divulgação
Atores de
Atores de "A Gaivota", que tem última sessão neste sábado na Mostra internacional de Teatro de SP

Descarta cenas à vontade, ao longo de todo o texto, e ao mesmo tempo repisa obsessivamente outras pequenas cenas seminais. Toma os diálogos e solilóquios de Tchékhov e os torna brinquedos seus e dos outros atores.

Mas não resultam daí -como acontece tantas vezes- exercícios autocentrados e enfadonhos, pelo contrário, "A Gaivota" se oferece ao espectador como experiência despretensiosamente prazerosa.

O subtexto melancólico da peça e da montagem célebre de Stanislavski, que tirou muitas das suas fórmulas de preparação daquela experiência, dão lugar à derrisão, ao gesto sarcástico quase intermitente. Como parece indicar o nome da companhia, Satiricon, e também a trilha sonora de marcha cômica, um modelo próximo seria Fellini -e também Petrônio.

O impacto dessa irreverência toda com o clássico, inclusive de movimentos, dança, é libertador para o público, que sai do primeiro ato em estado de graça, como crianças que deixam um playground de pernas para o ar.

O segundo ato traz elementos de melodrama, o que reduziu o entusiasmo e parte da plateia, mas "A Gaivota" se mantém reveladora até o fim, com suas múltiplas versões para diálogos tão conhecidos.

Butusov e o cenógrafo Alexander Shishkin, num espetáculo que é quase uma homenagem ao teatro, bebem em referências modernas da encenação. O diretor ainda escala a si mesmo no palco e parece, também ele, brincar.

Mas o melhor talvez esteja no que consegue de seus atores, que vêm de uma tradição invejável de interpretação, com domínio de tempo de comédia, de seus próprios gestos e vozes e muito mais.

A GAIVOTA
quando neste sábado (7), às 16h
onde Auditório Ibirapuera, av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, tel. (11) 3629-1075
quanto ingressos esgotados
avaliação ótimo ★★★


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