Folha de S. Paulo


Crítica: Felipe Hirsch remedeia cinismo de peça com doses de utopia

No texto "Ruínas e Utopias ou o Deserto do Real: da Loucura das Imagens à Perturbação da Imaginação", publicado em um catálogo da 25ª Bienal de São Paulo (2002), o historiador e filósofo suíço Hans Ulrich Reck passa belamente pela ideia de que em meio a ruínas as utopias ganham sentido.

"Puzzle (D)", quarta parte de uma série de peças dirigidas por Felipe Hirsch, compila textos poéticos e crônicas que, juntos, passam pela mesma questão, diagnosticando as distopias brasileiras enquanto buscam neste cenário algo que não desmorone tão logo seja erguido, na arte, na política, na ciência.

Na velha associação entre ruína e pós-modernidade, o cinismo encontrou campo fecundo. Ao compreendê-lo como ferramenta e endereçá-lo como elemento cômico-corrosivo ao ufanismo e outros males, o espetáculo se protege do risco de que lhe apontem o dedo depois: olha lá o ingênuo passando.

Adauto Perin/Divulgação
Magali Biff em cena do espetáculo
Magali Biff em cena do espetáculo "Puzzle (D)", dirigido por Felipe Hirsch

Taí um ponto em que "Puzzle (D)" emperra. Crítico com o Brasil, com a arte, com a ciência e inclusive consigo próprio, com seu cenário de papéis sujos de tinta preta sendo rasgados e descartados, o espetáculo recusa parecer inocente.

Só que a representação do descartável se tornou um fetiche também, e no fim a montagem deixa dúvidas sobre a arte que vive retornando ao ponto: estamos em meio a ruínas... Estamos em meio a ruínas... Ok, e aí? Já entendemos isso.

Para remediar o cinismo e manobrar seu posicionamento político, Hirsch deixa escapar doses de desejo utópico, enfim. Aí está o ponto forte da obra, que a cada sessão traz um artista convidado. Como Reck, Hirsch vê belezas na ruína em si.

Assim sendo, na sessão de domingo (1º), nada fez mais sentido do que Otto, como convidado, cantando "Juízo Final". Como diz a canção de Nelson Cavaquinho, "a luz há de chegar aos corações" e "o amor será eterno novamente".

PUZZLE (D)
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 8/3
ONDE Sesc Vila Mariana, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000
QUANTO de R$ 12 a R$ 40 CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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