Folha de S. Paulo


Fotos de guerra ganham nova perspectiva no Tate Modern

Não é simples lidar com memórias bélicas. Em fevereiro de 1945, o escritor americano Kurt Vonnegut (1922-2007) presenciou os bombardeios à cidade alemã de Dresden, durante a Segunda Guerra Mundial. "Matadouro-5", seu livro escrito a partir dessa experiência, só foi publicado em 1969, 24 anos depois.

Olhar para as guerras do passado é o desafio a que se propõe a exposição de fotografias "Conflict, Time, Photography" (conflito, tempo, fotografia), em cartaz na Tate Modern, em Londres, até o dia 15 de março.

Tomando por inspiração o trabalho de Vonnegut, os curadores da mostra fugiram do critério convencional de uma cronologia dos conflitos. Preferiram apostar em outro recorte: o tempo decorrido entre os trabalhos e os combates a que se referem.

Simon Norfolk
Foto do nigeriano Simon Norfolk mostra destruição em Cabul, Afeganistão
Foto do nigeriano Simon Norfolk mostra destruição em Cabul, Afeganistão

Dessa forma, a exibição começa com registros capturados poucos instantes depois de bombardeios. O mais marcante é uma sequência de quatro imagens feitas pelo japonês Toshio Fukada em 1945, menos de 20 minutos depois da explosão da bomba atômica na cidade de Hiroshima.

Ainda nessa primeira parte está um dos poucos trabalhos fotojornalísticos da exposição: o registro obtido pelo inglês Don McCullin do rosto de um soldado americano completamente em choque logo após um combate na Guerra do Vietnã, em 1968.

Na mesma sala, um trabalho da dupla contemporânea Broomberg & Chanarin faz uma crítica às limitações hoje impostas pelos Exércitos em conflitos. "O Dia em que Ninguém Morreu", obra em seis metros de papel fotográfico diretamente exposto ao sol por 20 segundos, é um registro conceitual da passagem da dupla pelo Afeganistão, acompanhando as Forças Armadas britânicas, em junho de 2008.

As dez salas da exposição dividem-se conforme a distância entre as fotografias e conflitos disputados nos últimos 150 anos: momentos, dias, meses, anos e décadas –até quase um século.

Coube à britânica Chloe Dewe Matthews o trabalho mais distante do combate a que se referia. Noventa e nove anos após o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), Matthews revelou paisagens em que soldados europeus foram executados por covardia ou deserção.

"Era algo que eu não sabia e que me chocou. Fiquei interessada em representar essa questão, menos conhecida, como uma história amplamente traumática da guerra", disse à Folha.

EVENTO TRAUMÁTICO

Depois de extensa pesquisa para a série, intitulada "Executado ao Amanhecer", a fotógrafa registrou os locais no mesmo horário e época do ano em que os combatentes foram mortos.

"Essas locações foram alteradas por um evento traumático. Ao fotografá-las, estou reinserindo o indivíduo naqueles espaços, carimbando suas presenças de volta naquelas áreas, para que suas histórias não sejam esquecidas", diz Dewe Matthews, em sintonia com a proposta da exposição: é preciso olhar para trás.


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