Folha de S. Paulo


Mulheres são minoria na frente e atrás das câmeras

Quando a atriz Patricia Arquette começou a filmar "Boyhood", em 2002, apenas 16% das cem produções com as maiores bilheterias de Hollywood eram protagonizadas por personagens femininas.

No último domingo (22), Arquette recebeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel no filme rodado ao longo de 12 anos pelo diretor Richard Linklater.

Em 2014, quando "Boyhood" chegou aos cinemas, a situação piorou: apenas 12% dos cem filmes mais vistos nos EUA tiveram mulheres nos papéis principais. O dado é de um estudo da Universidade de San Diego, na Califórnia, que analisou cerca de 23 mil personagens.

A atriz dedicou o prêmio "a todas as mulheres que tiveram filhos, a todas que pagam impostos nesta nação".

"É hora de conquistar de uma vez por todas a igualdade salarial nos EUA", disse, sob aplausos entusiasmados de Meryl Streep, Jennifer Lopez e de boa parte da plateia presente na cerimônia.

As palavras de Arquette surgiram numa edição do Oscar que destacou menos o trabalho feminino: houve cinco homens indicados para cada mulher, desconsiderando as categorias de atuação. Em sete categorias, nenhuma mulher foi indicada ao prêmio –incluindo as principais, como direção, roteiro e fotografia.

A baixa presença feminina na lista da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas reflete o descompasso entre os gêneros na indústria cinematográfica.

De acordo com esse mesmo estudo da Universidade de San Diego, 93% das produções analisadas não tiveram nenhuma mulher diretora na equipe, e apenas 9% foram comandadas por uma mulher.

O roteiro é previsível, também do lado de quem escreve os filmes: 79% dos scripts não foram assinados por nenhuma mulher, e 56% não tiveram nenhuma produtora executiva (quem controla o orçamento da produção).

Para a coordenadora da pesquisa, Martha Lauzen, Ph.D do Center for the Study of Women in Television and Film, a falta de protagonismo entre as atrizes está ligada à menor proporção de mulheres em posições de destaque por trás das câmeras.

"Os grandes estúdios contratam pouquíssimas mulheres. Como resultado, elas não têm acesso aos altos postos na indústria do cinema", diz Lauzen à Folha.

Editoria de Arte/Folhapress

'TRAPAÇA'

Uma planilha com a folha de pagamento dos estúdios Sony, vazada após a empresa ter sido alvo de hackers no fim do ano passado, incluía salários de 17 executivos que ganhavam acima de US$ 1 milhão.

Só havia uma mulher: a vice-presidente Amy Pascal (com salário de US$ 3 milhões), a mesma que culpou as atrizes pelos salários menores que recebem em comparação aos colegas atores.

"Eu comando um negócio. As pessoas querem trabalhar por menos dinheiro, eu pago menos dinheiro", declarou Amy Pascal, para quem as mulheres deveriam recusar trabalhos que paguem valores injustos. "As pessoas não deveriam se sentir tão gratas por seus trabalhos."

A fala da executiva foi uma resposta às criticas que a Sony recebeu após um dos documentos vazados ter revelado os cachês de "Trapaça" (2013).

Amy Adams e Jennifer Lawrence tinham acertado uma comissão de 7% sobre a bilheteria do filme, enquanto os colegas Bradley Cooper e Christian Bale acordaram 9% –valor também recebido pelo diretor David O. Russell e por Jeremy Renner, que aparece bem menos do que elas.

"O Sonyleaks mostrou um exemplo do valor que um estúdio dá para a mulher. Não tenho razões para acreditar que em qualquer outro a situação é melhor", diz a jornalista Melissa Silverstein, criadora do site "Women and Hollywood", uma das mais relevantes fontes de informação sobre mulher e cinema, e colunista da revista "Forbes".

"Do contrário, eles alardeariam seus dados quando essas histórias apareceram. Pelo silêncio, podemos inferir que todas as mulheres são subpagas e subvalorizadas em toda a indústria do cinema."

Segundo um levantamento da escola de cinema New York Film Academy, o ator que mais faturou em 2013 em Hollywood foi Robert Downey Jr.: US$ 75 milhões.

A atriz mais bem paga naquele ano foi Angelina Jolie, com US$ 33 milhões. Ela está em 10º lugar na lista, ganhando menos do que Channing Tatum (US$ 60 mi) e Adam Sandler (US$ 37 mi).

Para Martha Lauzen, que pesquisa o assunto desde 1998, é difícil para as mulheres lutar por maiores salários, uma vez que há pouco espaço para elas no cinema.

"Esses números se mantém estáveis há quase 20 anos. O subemprego feminino não é visto como um problema para os poderosos de Hollywood."

Colaborou BEATRIZ MONTESANTI, de São Paulo


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