Folha de S. Paulo


Análise: 'Birdman' reflete a imagem que Hollywood tem de si mesma

As duas primeiras premiações faziam pensar em uma noite sem surpresas. Com efeito, quem mais poderia vencer os prêmios de figurinos e maquiagem e penteados senão "Grande Hotel Budapeste"? É um filme que parece feito para colocar em evidência essas categorias. E elas estavam muito bem resolvidas.

Sendo assim, ganhar direção de arte foi apenas uma decorrência. O longa "Grande Hotel Budapeste" levaria ainda o troféu de trilha sonora, que de certa forma resume a simpatia do filme.

Daí por diante, uma média aqui outra ali, estava parecendo festival brasileiro, em que ninguém pode ficar de fora: "Sniper Americano", "Boyhood", "Interstelar", "Selma", "Whiplash": alguma coisa todo mundo levou.

Havia dúvida em relação ao filme estrangeiro, categoria na qual "Ida", "Leviatã" e "Timbuktu" pareciam concorrer em condições de igualdade. Mas como Hollywood olharia para o universo político contemporâneo?

Seria demais esperar que um filme africano fosse premiado, mesmo sendo, de longe, o melhor? Em princípio, sim. Mas é do radicalismo islâmico mais insensato que se fala ali. Ao que parece, a ficha de Hollywood ainda não caiu para essa questão.

Como a ficha Putin caiu antes do tempo, "Leviatã" chegou meio queimado. Com isso, o prêmio foi, previsivelmente, para "Ida", mais uma revisita à Segunda Guerra, ao Holocausto e às suas decorrências. Mas aceitemos que, neste ano, a categoria esteve muito acima da xaropada habitual.

Daí por diante, nos prêmios principais, "Birdman" começou a aparecer: roteiro original, fotografia, direção... Era Hollywood celebrando a si mesmo. Mas não pode haver Oscar sem ao menos uma surpresa: Michael Keaton não levou o prêmio de ator.

Ele foi para Eddie Redmayne, que não só é inglês como interpretou Stephen Hawking, isto é, um papel com uma alteração física não só brutal como progressiva. Não chega a ser surpresa. Ainda menos o prêmio de melhor atriz: Julianne Moore não só é Julianne Moore como faz uma mulher com Alzheimer.

Por fim, melhor filme: "Birdman" de novo. Houve quem acreditasse que, na última hora, a Academia iria optar pelo bom senso. "Birdman" é o "Cisne Negro" de 2014: empolado, tocado a artifícios, um verdadeiro filme "poeira nos seus olhos". Mas é a perfeita imagem que Hollywood tem sobre si mesma.


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