Folha de S. Paulo


Livro narra a trajetória da cafetina Eny Cezarino e seu famoso bordel

A cidade de Bauru (SP) ganhou notoriedade por saciar a fome de muitos brasileiros.

Lá nasceu o advogado e radialista Casemiro Pinto Neto, que em 1934 criou o famoso sanduíche batizado com o nome do município.

Na década seguinte, Bauru ofereceu ao país outra combinação célebre -pelo menos para muitos homens.

Do final dos anos 1940 ao começo dos 1980, funcionou na cidade do interior paulista um dos principais bordéis do Brasil, a Casa de Eny. O local chegou a reunir 30 prostitutas em seus tempos áureos e seduziu políticos, artistas, fazendeiros e empresários.

Eder Azevedo - 31.mai.2012/Jornal da Cidade
Letreiro que até hoje identifica a Casa de Eny no trevo de entrada de Bauru
Letreiro que até hoje identifica a Casa de Eny no trevo de entrada de Bauru

Essa história é contada pelo jornalista Lucius de Mello no livro "Eny e o Grande Bordel Brasileiro", reeditado agora pela editora Planeta. Lançado originalmente há 13 anos, o trabalho volta às livrarias no começo de março com texto atualizado. A Planeta lança ainda um e-book com casos inéditos recolhidos pelo jornalista.

Mello, 50, mudou-se para Bauru em 1988, para trabalhar como repórter da TV Globo, e passou 14 anos lá. Assim que chegou, só ouvia comentários sobre Eny, morta um ano antes, aos 70.

"A cidade ainda estava em luto, as pessoas falavam dela com muito pesar. Fiquei muito interessado em saber mais e passei dez anos colhendo material", diz ele, hoje editor do programa "Domingo Espetacular", da TV Record.

Eny Cezarino foi a mulher que virou Bauru de ponta-cabeça. Nasceu em 1917, em São Paulo, numa família de classe média de origem italiana. O avô de Eny era um italiano que aportou no Brasil em fins de 1884, contratado para soltar fogos no aniversário de São Paulo. O ramo italiano dos Cezarinos possuía uma larga experiência nos espetáculos pirotécnicos.

A família esperava que Eny se casasse com um militar, mas ela tinha planos bem diferentes. Fugiu de casa e trabalhou como prostituta no Rio e em Porto Alegre, até finalmente chegar a Bauru.

Divulgação
Fotopintura de Eny Cezarino
Fotopintura de Eny Cezarino

Quando a dona da pensão em que trabalhava decidiu passar o ponto, em 1947, Eny resolveu que era hora de iniciar seu próprio negócio.

Levou ao mundo da prostituição um padrão de qualidade até então raro em qualquer bordel do país.

Eny selecionava as mulheres a dedo, em viagens por cidades do interior de São Paulo e do sul do país. Quando sabia de algum concurso de beleza, tentava convencer a vencedora a trabalhar para ela.

Divulgação
Algumas das mulheres que trabalharam com Eny no prostíbulo de Bauru
Algumas das mulheres que trabalharam com Eny no prostíbulo de Bauru

A cafetina comprava roupas de qualidade, pagava sessões quase diárias no cabeleireiro e levava as "meninas" ao cinema para copiarem o gestual de Sophia Loren e Elizabeth Taylor.

O bordel de Eny impressionava ainda por seu aspecto suntuoso. Ocupava um casarão, no trevo de entrada da cidade, de 12 mil m², com 40 quartos, piscina, pista de dança em forma de violão, sauna, bar, restaurante e um belo jardim.

"Não havia nada parecido com aquela casa", conta hoje o produtor de TV Guga Oliveira, 70, que passou por lá em uma noitada de 1978. "Era nacionalmente famosa, ia gente do país todo visitá-la, inclusive homens bem poderosos."

Eny era um forte cabo eleitoral e vários políticos foram pedir seu apoio -e de quebra se divertir um pouco.

POR CIMA DO MURO

Um dos casos inéditos do livro traz um fato curioso: a relação de Eny com a apresentadora de programas de culinária Palmirinha Onofre, 83.

Palmirinha nasceu em Bauru e passou parte da juventude num sítio próximo ao bordel. Curiosa para saber o que ocorria por trás dos altos muros, ela subia nas árvores para espionar a casa.

"Mas nunca vi nada, as mulheres eram comportadas. De ficavam de maiô na piscina, tomando sol. Não deu para aprender nada", relembra.

O livro conta que Eny ficou impressionada pela beleza e elegância de Palmirinha. Secretamente, sonhava em tê-la em seu grupo de "meninas".

"Sério? Não sabia desse sucesso todo", declarou Palmirinha ao conversar com a Folha. "Eu prefiro a vida que eu levei, o sucesso na TV. Mas acho que cada um deve ser respeitado e ter a liberdade de fazer o que quiser."

Para a população local, Eny possuía um lado demoníaco e outro angelical. Financiou diversas obras de caridade e encontrou famílias para crianças abandonadas.

Ainda é uma presença forte na cidade. Há uns dois ou três anos o rosto dela foi grafitado no pátio da antiga estação de trem de Bauru.

Lucas Mello/Divulgação
Grafite do rosto de Eny no pátio da antiga estação de trem de Bauru
Grafite do rosto de Eny no pátio da antiga estação de trem de Bauru

O local do casarão, hoje fechado e arruinado, é conhecido por todos como o "trevo da Eny" -um letreiro identificando o bordel permanece de pé.

"Eny é um símbolo de Bauru, mas a cidade ainda a rejeita, por preconceito. Ela merecia uma estátua, por tudo que representou para a cidade", defende o historiador bauruense Henrique Perazzi de Aquino.

O mito de Eny deve ganhar força em breve. Os roteiristas Walther Negrão, Suzana Pires e Júlio Fischer escreveram para a TV Globo uma minissérie em dez capítulos sobre ela. As gravações devem começar neste ano.

ENY E O GRANDE BORDEL BRASILEIRO
AUTOR Lucius de Mello
EDITORA Planeta
QUANTO R$ 44,90 (408 págs.); R$ 7,99 (e-book)

A CASA DA MÃE ENY
Alguns clientes famosos e uma vizinha do bordel, segundo o livro

Eny e o Grande Bordel Brasileiro
Lucius de Mello
livro
Comprar

JÂNIO QUADROS (1917-1992)
O ex-presidente era candidato a governador de SP em 1982 quando, em visita a Bauru, foi pedir apoio a Eny, grande cabo eleitoral. "Não sabia que em Bauru existiam áreas palacianas", gracejou, segundo o livro

JOÃO GOULART (1919-1976)
Em 1955, o futuro presidente fez comício em Bauru e depois foi ao bordel. Ficou encantado, relata Lucius de Mello. "A senhora precisa abrir uma filial desta pensão lá nos pampas", teria dito à cafetina

VINICIUS DE MORAES (1913-1980)
Conforme a pesquisa de Lucius de Mello, hospedou-se ao menos duas vezes na casa. "[Em Bauru] Posso até nem fazer show, mas deixar de passar na Eny, jamais!", dizia o poetinha, pelo relato do livro

SÉRGIO REIS
Esteve na casa três vezes, mas garante que nunca dormiu com as moças. Numa das ocasiões, desafiado por outro cliente, fez um show pelado no bordel

PALMIRINHA
A apresentadora morou perto do bordel na juventude. Costumava subir nas árvores para espionar as mulheres. "Mas nunca vi nada, elas eram comportadas. Não deu para aprender nada"


Endereço da página:

Links no texto: