Folha de S. Paulo


Para veterano, 'Sniper Americano' não diz nada sobre lutar no Iraque

Escondido no alto de um prédio em ruínas, o soldado Chris Kyle (Bradley Cooper) acompanha pela mira de seu rifle a movimentação de uma iraquiana e do filho dela, a muitos metros dali. Ele vê claramente quando ela entrega uma bomba ao garoto. O militar reflete e, enfim, dispara.

A sequência inicial do filme "Sniper Americano", de Clint Eastwood, é carregada de imprecisões, na opinião de Alex Horton, 29, veterano que lutou por 15 meses na Guerra do Iraque. O longa, indicado a seis categorias no Oscar (incluindo melhor filme), estreia nesta quinta (19) no Brasil.

"O filme não diz nada sobre a experiência de estar lá. Faz parecer que é fácil tomar decisões e que há tempo para isso", diz à Folha o ex-combatente, que fez parte da infantaria do Exército americano.

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Alex Horton, 29, que serviu por 15 meses no Iraque atuando na infantaria entre 2006 e 2007
Alex Horton, 29, que serviu por 15 meses no Iraque atuando na infantaria entre 2006 e 2007

"Na real, só há fumaça, confusão e barulho. Não se sabe se do outro lado a pessoa carrega uma arma ou uma câmera: você tem de tomar decisões com base no que não vê."

O novo filme de Clint conta a história real de Chris Kyle, ex-Navy Seal (o comando de elite da Marinha) que ganhou notoriedade como o atirador mais letal da história militar dos EUA: 160 mortes estimadas. Instigado pelos ataques do 11 de Setembro, Kyle se alista para proteger "o maior país da Terra".

No mundo, "Sniper Americano" faturou cerca de US$ 393 milhões (R$ 1,1 bilhão): bem mais do que longas do mesmo gênero como "Guerra ao Terror" (2008), "A Hora Mais Escura" (2012) e "O Grande Herói" (2013) somados.

A abordagem dividiu a imprensa americana. "Um mês após assistir ao filme, você pode ainda estar ponderando se ele é poderoso, profundo ou se é uma propaganda", escreveu o crítico da revista "Entertainment Weekly".

"Não acho que o filme seja pró-guerra, mas retrata fielmente um cara que era pró-guerra", afirma Horton, que lutou no Iraque entre 2006 e 2007, período de escalada da violência no país, com "emboscadas, explosões e tiroteios quase todos os dias".

Fiéis à realidade da guerra são os momentos em que Kyle está de volta a sua casa, nos EUA, segundo Horton. "Você volta ressabiado: o barulho e as multidões incomodam."

Segundo ele, "ainda falta um filme definitivo sobre o conflito no Iraque". "A Guerra do Vietnã teve 'Apocalypse Now' e 'Platoon', filmes que retratam o caos e a falta de controle daquilo tudo."

"O tipo de filme que falta é aquele em que militares cometem enganos, atiram na pessoa errada ou que, em segundos, têm de tomar decisões que afetarão a sua vida inteira", afirma. "Mas só fazem filmes do ponto de vista dos Seals, que foram umas centenas, contra os 2,5 milhões de outros soldados que serviram no Iraque e no Afeganistão."

SPOILER

O verdadeiro Chris Kyle foi morto a tiros nos EUA em 2013, aos 38 anos, junto do amigo Chad Littlefield, por outro veterano com estresse pós-traumático que tentavam ajudar.

O julgamento de Eddie Ray Routh, 27, acusado do crime, está em andamento em Stephenville, no Estado do Texas.

O júri deve decidir se Routh é culpado, inocente ou inocente por insanidade –ou seja, se não sabia o que estava fazendo quando matou os dois. Esta última é a linha apresentada por sua defesa.

A acusação apresentou o vídeo de uma entrevista com Routh feita por um policial logo após as mortes. Nele, o acusado confessa e diz que sabia que havia cometido um erro; em outros trechos, porém, dá sinais de confusão mental.

Se condenado, enfrentará prisão perpétua. Caso seja aceita a alegação de insanidade, ele pode passar a vida numa instituição psiquiátrica.

Colaborou GIULIANA VALLONE, de Nova York


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