Folha de S. Paulo


Obra de Odete Lara foi marcada por desejo de liberdade e superação

Antes de se tornar a estrela que se tornou, existem fatos dramaticamente marcantes na vida de Odete Lara.

Foi depois da morte do pai que ela começou a trabalhar como secretária no Masp. Ali, fez um curso de manequim e participou de desfile, um dos primeiros do país, promovidos por Pietro Maria Bardi.

Desde então, as coisas em sua vida passam pela beleza, pois é ela que a leva a ser contratada pela TV Tupi como garota-propaganda, e logo atriz.

É o diretor teatral Abílio Pereira de Almeida (1906-77) quem a indica a Mazzaropi, com quem faria "O Gato de Madame", sua estreia no cinema.

Trabalhando nos dramas de Walter Hugo Khouri ("Na Garganta do Diabo") ou em comédias ("Absolutamente Certo", de Anselmo Duarte), no Cinema Novo ("O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", de Glauber Rocha), em adaptações ("Boca de Ouro", de Nelson Pereira dos Santos, baseado em Nelson Rodrigues), Odete afirma não apenas sua competência, como uma presença singular.

Seduz os diretores e o público com a mesma intensidade. Possui essa qualidade que faz as estrelas. Sua beleza, agressiva, tinha um quê de mistério; seu olhar era de uma altivez rara, sua voz, extremamente sensual.

Tudo isso a coloca no mesmo patamar de Norma Bengell, na condição de estrela intocável, num tempo em que o cinema ainda construía mitos.

Ao contrário de Norma, no entanto, logo se enfastia do cinema e, ainda nos anos 1970, abandona a carreira.

Voltaria a filmar esporadicamente e a receber homenagens, mas marcante foi sua descoberta do budismo.

Ela negava ter abandonado o cinema pela religião, que conheceu tempos depois de encerrar a carreira. E também não aceitava que o budismo fosse considerado uma religião convencional: considerava-o "uma prática", e escreveu livros sobre sua experiência.

A sexualidade que aparecia nas telas com tanta evidência foi um aspecto marcante em sua vida. Seus diversos casamentos e inúmeros romances talvez justifiquem a autodefinição de "escrava do sexo" que se atribuiu em dado momento.

Talvez seja, mais do que um exagero, uma imprecisão. A vida de Odete Lara, assim como sua obra, foram essencialmente marcadas pelo desejo de liberdade e pela superação dos traumas de juventude.

Deixa o registro de sua beleza e de seu talento, em filmes, e de sua busca interior, nos livros que publicou. Não é um legado pequeno, longe disso.


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