Folha de S. Paulo


Análise: 'O Sol É para Todos' coloca dedo em ferida dolorosa dos EUA

Monroeville, Alabama, sul dos Estados Unidos, tem menos de 7.000 habitantes. Porém, dois dos maiores escritores americanos passaram a infância na cidade e foram amigos: Truman Capote (nascido em Nova Orleans) e Harper Lee, cidadã de Monroeville.

O tempo na cidade foi decisivo na vida de ambos. O primeiro romance de Capote, "Outras Vozes, Outros Quartos" (1948), trabalha os climas fantasmagóricos do sul profundo e tem uma personagem inspirada na amiga.

E Harper Lee transformou Monroeville em Maycomb no clássico "O Sol É para Todos" (José Olympio, R$ 45, 364 págs.), lançado com tremendo sucesso em 11 de julho de 1960. Até agora, era o único livro publicado por ela.

O livro não é gentil com Monroeville. A fictícia Maycomb é uma típica cidade sulista nos anos 30: velha, pobre, indolente e racista. Lee conta a história de uma família sem mãe, formada pelo pai, Atticus, um advogado de província (inspirado no pai da autora), e os filhos, Scout e Jem.

Nas primeiras cem páginas, vemos a menina Scout liderando o irmão e o amigo Dill (baseado no pequeno Capote) em aventuras. Há um vizinho misterioso, que costuma deixar presentes para eles no buraco de um tronco.

Nas demais páginas, a tensão racial da Grande Depressão explode. É quando o pai de Scout defende um negro acusado de estupro, e a cidade se volta contra ele e a família.
Tolerância, empatia e o dedo numa das feridas mais dolorosas da história americana, o racismo, são os temas fundamentais.

Mas o livro não seria tão bom sem o ponto de vista escolhido por Lee. Tudo o que vemos é pelos olhos assombrados da menina Scout.

Vê-la na idade adulta, nesse inesperado segundo livro, é um presente ao qual seus leitores fiéis ainda vão demorar para se acostumar.

CADÃO VOLPATO é doutora em letras pela USP e autora da peça teatral "Fragmentos de Um Discurso Amoroso", baseada no livro de Roland Barthes.


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