Folha de S. Paulo


Crítica: Série acerta ao exibir vícios de Brasília e casais atormentados

"Até a turma do mensalão já tá no semiaberto e eu continuo aqui, ó", diz a personagem de Selma Egrei numa síntese do que pretende ser a nova minissérie da Globo, "Felizes para Sempre?": um retrato moderno de relacionamentos familiares e amorosos, tendo como pano de fundo Brasília e seus vícios.

Norma Drummond, a personagem de Egrei, é um clássico brasiliense: ex-militante política, professora universitária na UnB, casada com outro funcionário público.

Mora com o marido, com o qual comemora 46 anos de casamento, numa casa típica de classe média, nas "700", quadras sem glamour algum entre as residenciais e comerciais nas Asas da cidade.

No primeiro capítulo, a série de Euclydes Marinho, dirigida por Fernando Meirelles, tratou de apresentar uma Brasília distante do clichê que a TV e o cinema sempre apresentam. Foram vistos estudantes que vão a manifestações, médicos, casais que enfrentam o tédio de relações falidas e o mercado de sexo de luxo.

Zé Paulo Cardeal/Globo
João Miguel e Adriana Esteves em cena de 'Felizes para Sempre?', série de Euclydes Marinho, na Globo
João Miguel e Adriana Esteves em cena de 'Felizes para Sempre?', série de Euclydes Marinho, na Globo

A política está lá, é claro. Foram vistas cenas de negociatas explícitas no Congresso, capitaneadas pelo empreiteiro inescrupuloso —vivido por Enrique Díaz, muito bem caracterizado com seu rosto liso de tanto botox.

Mas são as relações pessoais que dão a linha condutora da obra, uma atualização de "Quem Ama Não Mata", escrita pelo mesmo autor no início dos anos 1980.

A escolha da capital federal se mostrou um acerto estético —o amplo horizonte da cidade e seus prédios modernistas combinaram à perfeição com as tomadas com drones e a elegância de texto e direção— e dramatúrgico.

A solidão, as neuroses e o jogo de aparências que Brasília enseja são o pano de fundo perfeito para a história que Marinho quer contar.

O elenco também pareceu acertado. A diva Maria Fernanda Cândido como uma mulher "travadinha", a "travadinha" Paolla Oliveira como uma prostituta de luxo que tem namorada e Adriana Esteves como uma médica estressada que em nada lembra Carminha, de "Avenida Brasil", são escolhas que fogem do óbvio.

A equipe de cinema, fruto da parceria com a produtora O2 Filmes, confere uma mudança da linguagem tradicional da dramaturgia da Globo, massificada pelas novelas.

Ironicamente, um dos tiros na tentativa de tornar "cult" um produto televisivo saiu pela culatra: numa cena em que é explicado o trauma do casal vivido por Diaz e Maria Fernanda, telespectadores pescaram a referência (ou seria plágio?) a uma cena de "Anticristo", de Lars von Trier, o que virou meme no Twitter.

Outra referência clara, a série "House of Cards", aparece de forma mais sutil, desde a trilha sonora e a fotografia até os personagens multidimensionais e perturbados.

Euclydes Marinho vem de um retrospecto irregular. Dono de um olhar sensível e de um texto hábil em mostrar as contradições nos relacionamentos pessoais, fez uma série de trabalhos frustrantes nas últimas décadas.

Meirelles, cineasta de prestígio no Brasil e que ainda tenta construir portfólio internacional, estreia em um formato próximo de novela. A parceria aponta para um respiro em um gênero que vive o apogeu nos EUA, mas passa por desgaste de fórmula no Brasil.

NA TV
Felizes para Sempre?
Minissérie da Globo
QUANDO de seg. a sex., após o "Big Brother Brasil", na Globo
AVALIAÇÃO bom


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