Folha de S. Paulo


Mostra no Rio ocupa lugares abandonados com instalações

Debaixo de um sol escaldante, com termômetros marcando 43 graus, um grupo de artistas carrega tijolos de um lado para o outro formando estranhos desenhos na praça 15 de Novembro, no centro do Rio, que lembrava na hora uma imensa frigideira.

Isso porque já não existe mais a sombra da Perimetral, via elevada demolida no ano passado e que antes passava por cima da praça, bloqueando a vista para o mar.

É dessas coisas que somem do horizonte ou que são varridas para fora da memória, aliás, que falam todos os trabalhos e performances da mostra "Permanências e Destruições", em cartaz em cinco espaços abandonados, arruinados ou esquecidos do Rio até o final deste mês.

Bernard Lessa/Divulgação
Piscina abandonada no bairro de Santa Teresa, no Rio
Piscina abandonada no bairro de Santa Teresa, no Rio

Enquanto a performance de Priscila Fiszman e Kammal João chamava a atenção como um estranho canteiro de obras em que nada é construído, só revolvido, andaimes erguidos ali perto pelos artistas Pedro Varella e Júlio Parente sustentavam uma plataforma a dez metros do chão, altura igual à do antigo viaduto.

Lá em cima, quem passava pela praça podia ter a mesma visão que teria caso estivesse num carro ou ônibus rasgando a toda velocidade pela Perimetral, com a diferença que na estrutura construída para a obra não existe pressa.

"Era bem nesse lugar que ficava um dos pilares da Perimetral", explica Varella, mostrando um enorme quadrado branco recortado no chão. "É uma memória física que deixa rastros, você vê as cicatrizes. Não somos saudosistas nem nostálgicos, mas aquela era uma estrutura muito imponente para se desfazer no ar assim", completa Parente.

Nessa pegada apocalíptica, obras efêmeras dominam os lugares, como a ação com tijolos que durou só dois dias no início de janeiro e a plataforma já desmontada na praça 15 de Novembro, dando vida a espaços em ruínas só para que voltem à letargia habitual logo depois.

Também no roteiro da destruição estão os cenários das ações que acontecem nesta semana –instalações de Amalia Giacomini e Floriano Romano no antigo hotel Sete de Setembro, no Flamengo, uma performance de Raquel Versieux numa viela do centro e trabalhos de Daniel de Paula e Luísa Nóbrega numa fábrica desativada na zona norte.

FILME DE TERROR

Ervas daninhas e trepadeiras se alastram por todo o enorme galpão da velha estamparia metalúrgica Victoria. Enquanto o andar de cima lembra um cenário de filme de terror, com telhas que tremem a cada rajada de vento, o piso térreo virou estacionamento, com carros –alguns deles carcaças enferrujadas– sobre o antigo assoalho de madeira.

"É surreal esse lugar", diz João Paulo Quintella, curador da mostra, andando pela velha fábrica. "Queria esses espaços em erosão. Não queria transformar em cenário, domesticar as coisas, mas existe uma luxúria da ruína."

Quintella não é o primeiro a enxergar o poder de sedução desses lugares caindo aos pedaços, mas sua mostra se firma como o avesso de um processo de glamorização das ruínas que parece ter tomado de assalto o mundo da arte.

Em setembro do ano passado, a mostra "Made by... Feito por Brasileiros", no antigo hospital Matarazzo, em São Paulo, também tinha como base a ocupação das ruínas por obras de arte, mas partia da estratégia de um grupo hoteleiro de luxo para legitimar um novo complexo de compras.

No Rio da ressaca da Copa do Mundo e no esquenta para as Olimpíadas, em que bairros inteiros passam por grandes transformações, a mostra agora em cartaz joga luz sobre tudo que poderia ter sido e que não foi, frestas de abandono na malha urbana que estão longe de virar butiques.

"É uma forma de retomar uma relação entre ética e estética, uma reflexão sobre o descarte", diz a artista Raquel Versieux. "Esse fetiche pelas ruínas é real, mas elas são necessárias como lugares cheios de força própria."

Um desses lugares de força incomum é uma piscina abandonada no alto do bairro de Santa Teresa, estrutura toda enegrecida que pende sobre uma vista espetacular do Rio.

Na obra que o artista Pontogor planeja para o espaço, a intervenção que finaliza a mostra na última semana de janeiro, caixas de som vão encher de ruídos a velha piscina e o público terá de entrar dentro dela, ou seja, perdendo a vista, para ouvir os ruídos.

É como se na negação da beleza o artista desse o primeiro passo para entender e reabilitar estruturas carcomidas.

"Os espaços também falam", diz o curador. "A atração que as pessoas sentem por esses lugares tem a ver com o fracasso e o erro, que são coisas muito humanas. Vejo que existe uma exaustão do novo."

ROTA DO ABANDONO
Veja quando e onde serão as próximas intervenções

Amalia Giacomini e Floriano Romano
Obras dos artistas dialogam com espaços do antigo hotel Sete de Setembro (av. Rui Barbosa, 762, Flamengo) entre ter. (20) e dom. (25) e entre ter. (27) e sex. (30); grupo Miúda de qua. (28) a sex. (30)

Raquel Versieux
Instalação com flores e parafusos interagem com as floriculturas da rua do Verde (r. da Carioca, 58, centro) entre qua. (21) e sáb. (24)

Daniel de Paula e Luísa Nóbrega
Performance e obras com restos de árvores na fábrica Victoria (r. Cap. Félix, 266, Benfica) no sáb. (24) e dom. (25)

Pontogor
Instalação sonora na velha piscina do edifício Raposo Lopes (r. Almirante Alexandrino, 3.226, Santa Teresa) no sáb. (31) e dom. (1º/2)

Mais informações em permanenciasedestruicoes.com.br


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