Folha de S. Paulo


Crítica: Diretor se propõe a revelar 'realidade' do seu país no século 21

Há algo de bem tradicional no filme "Leviatã", dirigido por Andrey Zvyagintsev: em 2014, ele propõe algo como nos revelar a "realidade russa" do século 21. Mas hoje acreditamos que a "realidade" não é mais do que isso, ou seja, uma palavra entre aspas: uma construção.

Ainda assim, "Leviatã" ganhou um prêmio de melhor roteiro em Cannes pela história de Kolya, o homem que enfrenta praticamente sozinho o corrupto governo da pequena cidade em que vive, no norte da Rússia.

Kolya vive com seu filho e a mulher (que não é a mãe do garoto) em um sítio que o prefeito acaba de desapropriar a preço de banana. A Justiça (que o político também controla) não recebe os apelos de Kolya. Todas as esperanças estão depositadas no amigo e advogado Dimitri, que possui um dossiê bem comprometedor sobre o prefeito. Mas este tem algumas cartas na manga de que lançará mão.

Anna Matveeva/Divulgação
Cena do filme 'Leviatã', vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 2014
Cena do filme 'Leviatã', vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro em 2014

A tragédia de Kolya começa a se desenhar plenamente quando o amigo advogado transa com sua mulher. A princípio este dado parece introduzido um pouco a fórceps na trama. Aos poucos, percebemos que é, na verdade, o dado central.

Porque, em princípio, o que pretende nos mostrar Zvyagintsev é uma Rússia corrupta e autoritária, mais descendente do que sucessora do Estado soviético que a precedeu. Não por acaso aparecem ali retratos de Lênin, Brejnev, Putin etc.

Mas o que interessa de fato, aquilo que está acima da "realidade russa", é a realidade russa que podemos apreciar. Não apenas a paisagem belíssima, mas os tristes conjuntos habitacionais do tempo do comunismo, o hotel interiorano, o modo de vida (as trabalhadoras no ônibus, por exemplo, mas também as bebedeiras homéricas) etc.

E, sobretudo, as relações pessoais, tão deterioradas quanto o Estado é controlado por máfias. Talvez o aspecto mais original do filme venha da acusação (algo velada, mas ainda assim) da participação ativa da Igreja Ortodoxa Russa nessa esbórnia.

Essa Rússia que o autor vê quase como uma doença milenar ganha aqui um relato vivo e bem copioso. Se não adere ao cinema soviético, nem ao misticismo conservador, esse cinema bem laico parece buscar apoio mais na literatura pontuada por excessos da Rússia do século 19.

LEVIATÃ
(LEVIATHAN)
DIREÇÃO Andrey Zvyagintsev
ELENCO Alexey Serebryakov, Roman Madyanov e Vladimir Vdovichenkov
PRODUÇÃO Rússia, 2014, 14 anos
QUANDO estreia nesta quinta- feira (15)
AVALIAÇÃO bom


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