Folha de S. Paulo


Wolinski debateu limites do humor e foi à favela no Rio

Uma questão atormentava o cartunista Georges Wolinski em sua passagem pelo Rio, em fins de 1993: o tanto que seu país, a França, era bem resolvido no que dizia respeito à liberdade de expressão.

"É tanta liberdade que não há mais como provocar", disse o artista a um grupo de jornalistas brasileiros, após chegar à capital fluminense para a Bienal Internacional de Quadrinhos. "Assim falta estímulo aos humoristas."

Wolinski, que morreria 21 anos depois no atentado contra a sede do jornal "Charlie Hebdo", na última quarta (7), era então um senhorzinho de 59 anos, em quem, conforme relatos, ressaltavam o ar sisudo e a barriga. Levava o tema da liberdade tão a sério que fez dela o centro de sua participação no evento.

Iniciado o debate com os cartunistas brasileiros Ziraldo, Chico Caruso e Lailson, Wolinski quis saber deles se acreditavam na necessidade de limites para o humor.

Uma hora e meia de palpites depois, já bem instalado com os colegas numa mesa da Adega do Timão, o francês admitiria não ter chegado a nenhuma conclusão.

"Tomamos uns bons chopes", lembra Caruso. "Achei ele mais simples do que os desenhos sugerem. Os desenhos dele são agressivos, desbocados. Já ele parece mais o [cartunista] Nani, mineirinho."

Um dos destaques daquela segunda edição do evento, com convidados como o italiano Milo Manara e o americano David Mazzucchelli, Wolinski passou cinco dias na cidade munido de um caderninho no qual fez mais de 40 desenhos –basicamente, mulheres e praia–, conforme "O Globo" noticiou à época.

Ainda segundo o diário carioca, a última parada do francês foi na boate Help, em Copacabana –símbolo do turismo sexual carioca e que fechou portas em 2009–, de onde saiu acompanhado.

BBC
Charge de 1993 de George Wolinski, sobre a vida no Rio de Janeiro Crédito: BBC Brasil ORG XMIT: lkrMeU5lsLGdvSywNtbw ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Charge de 1993 de George Wolinski, sobre a vida no Rio de Janeiro Crédito: BBC Brasil

Não teria sido sua única aventura do gênero por aqui. Numa das poucas lembranças que o quadrinista da Folha Adão Iturrusagarai guardou do encontro com o ídolo, ele estava num bar com outros desenhistas e um certo ar de tédio –até se levantar com o argumento de que ia "procurar umas putas".

A convite da organização da bienal, Wolinski também conheceu comunidades cariocas. Subiu o morro da Mangueira e conheceu a Rocinha e a favela de Vila Canoas.

Essas últimas visitas resultaram numa tira vertical que o francês entregou ao carioca Marcelo Armstrong, criador da Favela Tour, que ciceroneou os artistas na ocasião.

"Ele fez esse desenho com colocações sobre a experiência na favela, e me deu. Ficou guardado. Ontem [quarta], vendo na televisão que ele tinha morrido, foi que me lembrei", diz o empresário, cuja história veio à tona nesta semana pela BBC Brasil.

O desenho mostra o Maracanã, escadarias de favelas e mulheres. O maior espaço, no entanto, é dedicado ao texto, em francês, sobre a violência nas favelas. Wolinski comenta que elas "vivem das drogas", com os líderes das facções Comando Vermelho e Falange Vermelha comandando o tráfico desde a prisão, "protegidos pela polícia".

Apesar disso, seu olhar sempre cáustico para o cotidiano francês conseguiu perceber alguma graça na miséria carioca. "É miserável, mas não é abjeto, os barracos são limpos, até charmosos às vezes", anotou o artista.


Endereço da página:

Links no texto: