Folha de S. Paulo


'Fixperts': designers ativistas fazem exposição no Japão

Por mais estranho que possa parecer ver uma tigela japonesa belíssima do século 17 em uma mostra de design contemporâneo, é ainda mais estranho descobrir que ela está ali devido à habilidade com que foi consertada, no final da década de 1800.

A "tsukuroi" —"a arte do conserto"— é reverenciada no Japão. No país, considera-se que o conserto cria uma nova forma de beleza.

Em "The Fab Mind: Hints of the Future in a Shifting World" (A mente fabulosa: indícios do futuro em um mundo em transformação), exposição em cartaz em Tóquio, a tigela é um prelúdio à mostra de trabalhos dos "Fixperts".

Eles formam uma rede internacional de designers e criadores que fazem experimentos com ferramentas digitais e técnicas antigas para customizar objetos novos e reparar objetos danificados.

Fundado em 2012, o "Fixperts" é um entre algumas dezenas de grupos de designers de diferentes países cujos esforços para encontrar soluções inteligentes para problemas sociais, econômicos e ambientais são destacados na mostra.

A exposição focaliza a nova onda de ativistas que encaram o design como um meio de promover objetivos políticos ou fazer pesquisas, não tanto como disciplina comercial.

Eles conseguem fazê-lo graças aos avanços tecnológicos que lhes possibilitaram operar de modo independente -por meio da troca de ideias em plataformas on-line, do financiamento de projetos pelo "crowdfunding", do uso de sistemas de produção digital barata (como a impressão em 3D) e da divulgação de seu trabalho nas mídias sociais.

Os designers estão utilizando novas ferramentas tecnológicas para se antecipar ao futuro, muitas vezes com resultados perturbadores. A Takram, empresa japonesa de engenharia de design, produziu uma visualização do impacto que a elevação do nível dos mares e a redução dos recursos naturais terão sobre a Terra dentro de cem anos.

"The Fab Mind" também ilustra um aspecto mais suave da prática do design radical: a celebração de aspectos do cotidiano que podem ser relegados ao esquecimento. Um projeto da designer holandesa Christien Meindertsma homenageia a habilidade e dedicação de Loes Veenstra, que passou 60 anos tricotando mais de 500 suéteres que nunca foram usados.

Além de fazer um livro sobre os suéteres, Meindertsma organizou e filmou um "flash mob" perto da casa de Veenstra, em Roterdã, de pessoas usando os suéteres.

A produção de pão é tema de uma instalação do designer sueco Josefin Vargo, que montou um arquivo dos fermentos naturais produzidos por várias pessoas, além de comentários delas sobre como os usaram para fazer pão.

Muitas partes da exposição destacam duas vertentes importantes do ativismo de design: a conservação de recursos e a ajuda a pessoas carentes. O designer espanhol Alvaro Catalán de Ocón criou uma série de abajures com cúpulas coloridas feitas por artesãos no Chile e na Colômbia com garrafas PET e outros materiais que normalmente vão para o lixo.

O grupo de design britânico-japonês Studio Swine criou um forno de fundição móvel com o qual catadores de lixo em São Paulo podem ganhar dinheiro com bancos feitos de latas de alumínio.

Uma das coisas mais fascinantes na mostra é o trabalho de um designer dotado de conhecimento local: Massoud Hassani, que hoje vive na Holanda, mas foi criado no Afeganistão, numa região repleta de minas terrestres não explodidas. Hassani desenvolveu um artefato barato de metal e bambu, o Mine Kafon, que é empurrado pelo vento sobre a superfície de terrenos, detonando minas.

Para financiar a produção do aparelho, ele levantou mais de R$ 500 mil no Kickstarter.

Mais ativistas do design certamente vão emergir no futuro. Exposições como "The Fab Mind" exercem um papel importante ao ilustrar as possibilidades, além de lembrar aos candidatos a radicais do design que nem tudo o que fazem é novo.

tradução de PAULO MIGLIACCI


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