Folha de S. Paulo


Jornalista inaugura sebo chique e celebra admirável mundo velho

O som ambiente tem aquele chiado nostálgico dos discos de vinil. O espaço, uma garagem de 24 m², fica numa travessa do bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

O vendedor é Ricardo Lombardi, 44, ex-diretor da revista "Bravo!". Em setembro, ele largou o emprego na empresa de internet Yahoo para inaugurar um sebo apenas com os livros de que gosta.

Assim, o Desculpe a Poeira (na rua Sebastião Velho, 28A) abriu as portas em novembro. Lombardi encheu as estantes com a sua biblioteca pessoal, angariada ao longo da vida.

Karime Xavier/Folhapress
O jornalista Ricardo Lombardi posa para foto no sebo Desculpe a Poeira, em São Paulo
O jornalista Ricardo Lombardi posa para foto no sebo Desculpe a Poeira, em São Paulo

São cerca de 4.000 livros, muitos deles autografados, mas apenas 1.300 obras estão à venda no local. Além dos livros, o jornalista cultiva também o seu velho ofício: revistas. No caso, revistas de época.

"São exemplares da Playboy' dos anos 1980, da Placar' dos anos 1970, uma coleção da Around', a revista da boate Gallery editada pela Joyce Pascowitch. Tudo em perfeito estado", diz Lombardi. "Adoro revistas. Compro e guardo aquelas que vão envelhecer bem. Tenho a coleção completa da Piauí' encadernada."

A história de como o jornalista deu adeus ao admirável mundo novo –a produção de conteúdo jornalístico para a internet– é a história da contracultura contemporânea: consumir menos, simplificando a vida, para fabricar tempo livre e, de quebra, ajudar a preservar hábitos ameaçados de extinção.

"Minha formação foi em sebos, pequenas livrarias, lojas de disco. Hoje tudo é mega', acabamos com os encontros", diz. A ideia surgiu numa viagem à Argentina. Passeando pelas ruas do bairro de San Isidro, em Buenos Aires, um pequeno sebo lhe chamou a atenção. Era uma loja, negócio de família, que sobrevivia ao tempo e ao agigantamento das coisas.

Na volta a São Paulo, Lombardi começou a gestar o Desculpe a Poeira, nome de um blog de dicas culturais que ele mantém desde 2007.

"Vendi o carro. Ando de bicicleta, não pago mais R$ 300 reais para comer num restaurante, troquei o treino na academia pela corrida de rua. Abri mão de 70% da minha renda", comenta ele.

E completa: "Vou subir parte do acervo no [portal de sebos on-line] Estante Virtual. As vendas na rede sustentam os sebos hoje. Na loja física, quero ter só os livros que eu reconheço, que posso indicar com certeza, seja por ser uma boa edição, uma boa tradução ou ter uma capa bacana".

Lombardi quer também tirar do baú da memória dos clientes aqueles livros e autores que foram soterrados pela avalanche de lançamentos: "O legal é entrar num sebo e se deparar com livros que você nem se lembrava que existia".

Sobre a ameaça dos e-books, o jornalista não se avexa: "O livro é o suporte perfeito. Reconheço o valor do e-book. Numa viagem longa, é perfeito. Mas aquela edição linda do século passado você lê sem ligar na tomada".


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