Folha de S. Paulo


Análise: Decisão ameaça a liberdade da indústria de cinema americana

Foi um dia triste para a expressão criativa, como tuitou o ator Steve Carell.

A Sony Pictures, um dos maiores estúdios americanos, matou o filme "A Entrevista", cancelando a estreia nos cinemas e acrescentando depois não ter planos para o lançamento em DVD ou VOD, (vídeo sob demanda).

Antes dela, as maiores cadeias de cinema já haviam cedido à pressão contra o filme, assim como a gigante de VOD Comcast, maior provedora de TV paga e internet dos Estados Unidos. A capitulação geral por si mesma constrange, a partir de agora, a liberdade de criação na indústria americana de cinema.

Simultaneamente, autoridades americanas vazaram para CNN, "New York Times" e outros que a Coreia do Norte está por trás, sim, das ações de hackers contra a Sony Pictures. Esperava-se para quinta (18) a confirmação do FBI.

Mas a Casa Branca ainda reluta em chamar a invasão e as ameaças de "ciberterrorismo", como vêm fazendo Sony, artistas, jornalistas e políticos diversos nos EUA.

Para Peter Singer, autor de "Cybersecurity and Cyberwar" (Oxford, 2014), é preciso distinguir. "Furtar e-mail de computador com proteção ruim não é o mesmo que ter capacidade para ataques ao estilo 11/9."

Em suma, pela ordem, as cadeias de cinema, a provedora de internet e o estúdio "cederam a ameaças vazias".

Tão ou mais importante do que as justificativas usadas para acabar com o filme é anotar que a Sony queria se livrar de "A Entrevista" muito antes. O problema é uma cena –disponível on-line– em que o ditador norte-coreano é assassinado, com seu rosto carbonizando. O próprio Kazuo Hirai, presidente mundial da Sony Corp., interveio.

Os hackers divulgaram, na terça (16), e-mails de executivos da Sony revelando que o filme foi levado em junho às autoridades americanas, que defenderam o seu lançamento. Mais: justificaram manter a cena, dizendo que a morte do ditador era "o melhor caminho para o colapso do governo na Coreia do Norte".

A Sony aventou lançar o filme sem a sua própria chancela, usando o nome Columbia, ou cortar a imagem. Só teria cedido depois de contraproposta do diretor, Seth Rogen, de atenuar a cena.

No fim, nem foi preciso. A invasão e as ameaças, a partir de novembro, deram a deixa para matar "A Entrevista".

Ao longo do processo, a Sony amontoou equívocos, a começar pela contratação de um especialista da Rand Corporation, instituição financiada pelo governo americano, como consultor do filme.

E não é de agora que ela acumula problemas com proteção digital ruim e hackers. Seu console, Playstation, foi alvo de um ataque sem paralelo a uma empresa privada, há três anos. Um hacker havia mostrado como agilizar a plataforma e a Sony o processou. Em resposta, outros hackers vazaram dados pessoais, inclusive cartão de crédito, de 77 milhões de usuários.


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