Folha de S. Paulo


Crítica: Longa desconjuntado assume uma perspectiva colonialista

Existem pelo menos três filmes desconjuntados em "Uma Longa Viagem". No primeiro, um homem misantropo encontra em Colin Firth o estereótipo sob medida.

Noutro, Nicole Kidman aparece como a mulher enigmática que não ocupa um lugar mais que decorativo num mundo de homens. Uma terceira história recua ao passado para acertar contas e apaziguar o presente.

As memórias do militar britânico Eric Lomax dão o lastro de veracidade à superposição de comportamento disfuncional, romantismo fosco e moralismo de herói que o filme tenta unir. Lomax foi prisioneiro dos japoneses durante a Segunda Guerra. Torturado, o trauma da experiência explica sua transformação num tipo estranho.

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Colin Firth e Nicole Kidman em cena do filme 'Uma Longa Viagem'
Colin Firth e Nicole Kidman em cena do filme 'Uma Longa Viagem'

Enquanto filma o presente, o diretor australiano Jonathan Teplitzky se escora nos recursos da dupla de atores para expressar a ideia de profundidade nos dramas de seus personagens.

Firth retoma seu tipo regular de homem sem qualidades, enquanto Kidman, com a face paralisada por botox, faz que atua com o olhar perdido.

"Uma Longa Viagem", contudo, só alcança algum vigor quando retorna ao passado e reconstitui a guerra na forma de filme de ação. Para juntar as pontas, o longa tem de assumir uma perspectiva colonialista em que os britânicos são vítimas e os japoneses não passam de cães ferozes.

Como o presente descartou como incorreta essa representação, "Uma Longa Viagem" gasta o resto do tempo se corrigindo, tentando convencer que perdoar é mais humano que querer se vingar.

Sem se esquecer de demonstrar que é o europeu civilizado que perdoa. Ao algoz, resta reconhecer essa inequívoca demonstração de superioridade.

UMA LONGA VIAGEM
(THE RAILWAY MAN)
DIREÇÃO Jonathan Teplitzky
ELENCO Colin Firth, Nicole Kidman e Jeremy Irvine
PRODUÇÃO Austrália/Reino Unido, 2013
AVALIAÇÃO regular


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