Folha de S. Paulo


Há 150 anos nascia Toulouse-Lautrec

Era feio. Tinha narinas largas, língua e lábios grossos, dificuldade para falar, tendência para babar. Um corpo normal da cintura para cima, mas com pernas curtas que resultavam em uma altura de 1,52 m, o que o tornava quase anão.

Suas mãos, bem, criavam maravilhas: um quadro seu, "La Blanchisseuse" (a lavadeira) foi vendido em um leilão da Christie's, em 2005, por US$ 22,4 milhões (aproximadamente R$ 57,8 milhões em valores atuais). Ele era Henri de Toulouse-Lautrec, que nasceu há 150 anos, a 24 de novembro de 1864, em uma nobre família francesa.

Ainda criança, Toulouse-Lautrec passou alguns anos com a mãe em Paris. Foi também quando a família começou a notar, nas páginas de seus cadernos escolares, desenhos e pinturas nas margens. Concluíram que era aquele o talento do garoto.

O pintor René Princeteau (1843-1914), amigo do pai, passou a dar lições ocasionais ao futuro artista, cujas primeiras pinturas foram cavalos e o próprio retrato do professor.

Aos 13 anos, ele fraturou o osso da coxa direita. Aos 14, o da coxa esquerda. "Tropecei em um banquinho e quebrei a perna esquerda", disse. E ironizava, assinando cartas como "Henri pata-quebrada". Toulouse-Lautrec nunca se recuperou completamente. Suas pernas pararam de crescer, o que fez dele um homem extremamente pequeno.

Com a saúde sempre precária, a mãe decidiu que ele deveria interromper os estudos e voltar a Albi, onde nascera. Levou-o a diversas termas, para se tratar, mas não tiveram nenhum resultado.

A Toulouse-Lautrec restava a pintura, e foi a ela que se dedicou. "Pinto e desenho o máximo que posso, até minha mão cair fatigada", chegou a dizer.

Em 1882 voltou a Paris e Princeteau o acolheu em sua casa e o apresentou a Jean-Louis Forain (1852-1931), que aperfeiçoou sua educação artística. Conheceu também o pintor Léon Bonnat (1833-1922), que o recebeu em seu ateliê, mas sem qualquer delicadeza, disse: "Sua pintura não é ruim, é elegante, mas seu desenho é atroz". Em 1904, como presidente da Comissão de Museus, ele vetou a aquisição, pelo Museu de Luxemburgo, do retrato "M. Delaporte au Jardin de Paris", de Toulouse-Lautrec.

Seu desafeto, Bonnat tornou-se professor na Academia de Arte de Paris, e Toulouse-Lautrec foi para o ateliê de Fernand Cormon (1845-1924), professor que atraía jovens que iriam reformular a pintura. Sob Cormon, se interessou pelo impressionismo e pela arte contemporânea, pintando quadros que hoje estão nos melhores museus.

Em 1884, conheceu o pintor Edgar Degas (1834-1917), a quem passou a admirar. Dois anos depois, conheceu Vincent van Gogh (1853-1890) no estúdio de Cormon. Os dois se tornaram amigos.

No mesmo ano, conheceu Suzanne Valadon (1865-1938), com quem teve um breve relacionamento. Pintou Suzanne várias vezes, e muitos acreditam ser ela a modelo de "La Blanchisseuse".

Toulouse-Lautrec e Van Gogh conviveram por dois anos, pintaram e fizeram exposições juntos, um influenciando o trabalho do outro.Theo Van Vogh, irmão de Vincent, dirigia uma galeria de arte e foi o primeiro a expor trabalhos do francês.

De 1889 a 1894, Lautrec participou do Salão dos Artistas Independentes. Em um jardim de Montmartre fez vários retratos de Carmen Gaudin, lavadeira e prostituta, considerada por muitos a verdadeira retratada em "La Blanchisseuse".

Aberto em 1889, depois de um sucesso de dois anos, o cabaré Moulin Rouge, em Paris, passou a atravessar uma crise. Quem pintara o pôster de inauguração fora o inigualável Jules Chéret (1836-1932), o mestre da litografia. Desta vez, porém, os sócios Charles Zidler e Joseph Oller encomendaram a Lautrec o pôster da nova abertura da casa.

O estilo do enorme pôster era revolucionário: quase não havia texto; no fundo, a silhueta dos espectadores e, na frente, o extraordinário dançarino Valentin, o "sem ossos", como era chamado; no centro, a fantástica dançarina La Goulue (a glutona, por seu gosto pela bebida), a principal atração da casa, inventora do can-can.

BORDÉIS

Às vezes Lautrec desaparecia, passava dias sumido do Moulin sem que ninguém soubesse por onde andava. Eram os períodos de suas mais variadas e bem-sucedidas incursões artísticas. Os nus sensuais e eróticos estavam em evidência até mesmo nas casas burguesas. E nos bordéis da rue des Moulins e da rue d'Amboise o senhor Lautrec era muito conhecido e sua presença em ambientes íntimos não surpreendia ou chocava ninguém.

Em 1892, a proprietária do bordel da rue d'Amboise decidiu redecorar seu salão principal. Recorreu a Lautrec, que prontamente a atendeu com várias pinturas. Ele era muito agradecido pela liberdade que lhe davam para estudar suas atividades.

As prostitutas se abraçavam e beijavam na frente dele, que observava seu lesbianismo e depois o colocava em seus quadros. Há cerca de 50 pinturas suas com o tema bordel, além de inúmeros desenhos e litografias.

Martirizado pela sua pequena estatura e aparência física, Toulouse-Lautrec se socorria na bebida. Primeiro foram a cerveja e o vinho, mas seu gosto o dirigiu para os coquetéis americanos. Apesar de ser a França um país dos puristas do vinho, dava festas em sua casa, nas noites de sexta, e obrigava seus convidados a tomá-los.

E consta que inventou um deles: o terremoto. E devia mesmo fazer a terra tremer: era servido em taças de vinho ou batido em coqueteleira e consistia de meia parte de conhaque e meia de absinto (não aquele que se vende atualmente no Brasil, mas o legítimo, com altíssimo teor alcoólico), acompanhado de pedras de gelo.

Em 1893 o alcoolismo começou a cobrar seu preço. Ele já tinha até uma bengala oca que enchia de bebida, então sempre tinha um drinque ao alcance. Em 1898 ou 1899, Berthe Serrazin, contratada para servi-lo, escreveu uma carta para Adele, a mãe: "Ele parece louco. Eu nunca o vi tão violento. Ele queria bater na pequena governanta".

Após mais duas semanas de comportamento assim, delírios alcoólicos, uma fascinação com fogo que o deixou com uma das mãos seriamente queimada, com quase total impossibilidade de trabalhar, sua mãe e amigos próximos o internaram em uma clínica psiquiátrica. Lá, a abstinência forçada do álcool promoveu um mudança milagrosa em sua saúde.

Saiu da clínica depois de onze semanas, voltou à antiga rotina, voltaram os problemas de saúde.

Dois anos depois mudou-se temporariamente para Bordeaux, também no sudoeste da França, acompanhado por um segurança que na verdade tinha a missão de mantê-lo longe das garrafas, o que era impossível.

Sofre um derrame. Recupera-se parcialmente. Sofre um segundo derrame. É levado para a casa da mãe em Malrome, a 80 quilômetros de distância.

Deitado no calor sufocante do verão, morre às primeiras horas de 9 de setembro de 1901. Suas últimas palavras são dirigidas ao pai, que estava ao lado: "Velho tolo".


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