Folha de S. Paulo


Crítica: Secchin faz análise essencial de João Cabral de Melo Neto

O Brasil tem quantos escritores que poderiam entrar numa hipotética seleção mundial de literatura? Seja qual for o júri, entre eles estará Machado de Assis, e depois Guimarães Rosa e Drummond, com menos certeza Nelson Rodrigues, Graciliano Ramos e João Cabral, e daí por diante a coisa engrossa. Bandeira? O padre Vieira?

De quantos desses gênios temos biografias dignas? E de quais temos roteiros introdutórios de alto nível?

Aqui se localiza a posição adequada para entender os acertos e os limites de "Uma Fala Só Lâmina", livro de Antonio Carlos Secchin, que repassa toda a obra publicada pelo poeta pernambucano.

Professor universitário, agora aposentado, Secchin faz de cada capítulo uma pequena e instrutiva preleção, relativa a um livro específico. Relata os lances essenciais da edição, para em seguida comentar o texto, a carnadura concreta dos poemas (a edição merece elogio pela elegância das citações da fonte dos poemas, nas margens).

Folhapress
O poeta João Cabral de Melo Neto em fotografia de 1968
O poeta João Cabral de Melo Neto em fotografia de 1968

Registra recorrências formais e temáticas, mostra embriões de temas que anos depois serão desenvolvidos, assim como aponta caminhos experimentados mas depois abandonados.

Cada livro é comentado em si mesmo, numa contabilidade interna, mas também à luz do conjunto da obra, que está sempre no horizonte.

João Cabral de Melo Neto: Uma Fala Só Lâmina
Antonio Carlos Secchin
livro
Comprar

Curiosamente, porém, a dimensão metacrítica é escassa: Secchin pouco discute os comentadores de João Cabral. Comparecem, breve mas nominalmente, apenas os grandes intérpretes do poeta até os anos 1980, como Benedito Nunes, Luiz Costa Lima, João Alexandre Barbosa, José Guilherme Merquior, Alfredo Bosi e Haroldo de Campos.

Nem a vida do poeta, nem as circunstâncias históricas que viveu ou a dimensão sociopolítica de sua obra constituem dimensão relevante no estudo, que assim proporciona uma leitura relativamente fria; a força dos comentários tópicos, das linhas de continuidade temática e estilística, isso é que ocupa o centro da arquitetura do estudo.

Trata-se assim de um livro sem teoria, ao menos explícita, e sem um problema crítico que oriente o esforço do comentário, o que é um limite e uma virtude.

Limite porque Secchin, ao abrir mão de fazer um balanço da fortuna crítica, renunciou ao debate de tipo acadêmico, que pode ter um bom cabimento, ainda que tantas vezes seja apenas esterilidade e vaidade; mas é também uma louvável virtude, porque o livro ganha em agilidade, tendo em vista o leitor leigo exigente, essa figura lamentavelmente rara. Nessa dimensão, é uma ótima, uma essencial introdução analítica.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO - UMA FALA SÓ LÂMINA
AUTOR Antonio Carlos Secchin
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 62,90 (480 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


Endereço da página:

Links no texto: