Folha de S. Paulo


Disputa entre dubladores e estúdios vai parar na polícia

Angelina Jolie reclama de atrasos nos pagamentos. Catherine Zeta-Jones crê que sua categoria está abandonada. Já o Backstreet Boy Nick Carter quer um canal de diálogo direto com os estúdios.

Obviamente, não são eles em carne e osso que se queixam do trabalho, mas as suas vozes. Ou melhor, seus dubladores brasileiros, que estão numa queda de braço com as empresas de dublagem.

Profissionais da área em São Paulo, maior mercado do país ao lado do Rio, reivindicam ganhos fixos e reclamam serem forçados a dar voz a mais personagens por atração que o permitido. Estúdios dizem sofrer boicotes e acusam dubladores de criar uma reserva de mercado. A disputa virou caso de polícia.

A briga afeta um setor que cresce com a expansão da TV paga e que tem a predileção do público: 73% dos paulistanos preferem filmes dublados a legendados, segundo dados da JLeiva Cultura e Esporte, consultoria especializada em políticas culturais.

"De repente, os dubladores endoidaram", diz Pierangela Piquet, dona da BKS, estúdio que opera desde 1958 em São Paulo e já fez versões para "Tom e Jerry" e "Pokémon". "Inventaram uma comissão, uma panelinha que escala os dubladores e coage as empresas e outros profissionais a atender as regras deles."

Piquet diz que o último boicote foi em outubro. "Acharam que eu não tinha enviado o documento sobre o acordo. Como retaliação, no dia seguinte nenhum dublador veio." Há seis meses, diz, interromperam as atividades no estúdio por cerca de 15 dias.

"A comissão não decide nada", rebate a dubladora Alessandra Araújo (voz de Catherine Zeta-Jones e da Cuca, de "Sítio do Pica-pau Amarelo"), que integra o grupo. "Somos porta-vozes de uma categoria que hoje está abandonada."

Representados em parte pelo Sated, sindicato que reúne atores e técnicos de espetáculos do Estado, os dubladores atuam como prestadores de serviços. "Há problemas cruciais que o Sated não pode solucionar, daí existir essa comissão", diz Diego Lima (dublador de personagens de desenhos japoneses, além do músico/ator Nick Carter).

Angélica Santos (Angelina Jolie, Cameron Diaz, Winona Ryder e Cebolinha, da "Turma da Mônica") faz parte dessa entidade, formada há cerca de dois anos para defender os interesses da categoria e dialogar com as empresas.

"Não somos um cartel. Se, em reunião, chegamos à conclusão de que um estúdio não cumpre o que temos de acordo, mandamos um informativo. Se continuam não cumprindo, natural que os dubladores parem os seus serviços."

Para Marlene Luvison, sócia da Marsh Mallow, a comissão "engessa os empresários". "Ela quer tudo de acordo com as normas dela. Os dubladores alegam que o trabalho deles é instável. E o meu, que já perdi vários trabalhos quando repassei aos clientes o reajuste que pedem todo ano?"

Lima nega que a comissão boicote empresas. "Estúdio que não cumpre exigências acaba malvisto. Como os dubladores são autônomos, deixam de prestar serviços ali."

Ele afirma que há alguns meses o grupo foi convocado pelo Ministério Público para responder sobre uma suposta coação de outros profissionais após reclamações anônimas.

Neste mês, a instituição solicitou à polícia que investigue suposto crime de frustração, mediante fraude ou violência, de direito assegurado pela legislação do trabalho, segundo o advogado criminalista Rodney Carvalho de Oliveira, que defende dubladores que se dizem coagidos.

A dubladora Raquel Elaine –que não é defendida por Oliveira– se diz boicotada pela categoria. Ela atua como diretora de dublagem –função que controla, por exemplo, a sincronização das falas– sem atender a requisitos de experiência fixados pela comissão. "Disseram que os dubladores que viessem trabalhar comigo não trabalhariam mais em estúdios indicados por eles."

Para Valvênio Martins, sócio do estúdio Vox Mundi, falta "relação mais profissional". "O Sated não representa os dubladores em tudo porque eles são autônomos. Mas os dubladores continuam agindo como se fossem categoria, e o mercado acaba sucateado."

Antes soberanos, os polos de São Paulo e Rio agora concorrem com núcleos de dublagem em Campinas, Venezuela e até Miami.


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