Folha de S. Paulo


Reinaldo Moraes volta sem nenhum recato

Premissa número um: quem não gosta do cheirinho do amor não gosta de sexo.

Premissa número dois: quem chama fluídos fisiológicos de "fluídos fisiológicos" não ama. Porra.

Premissa número três: não é preciso se entregar à safadeza ou à crueza da biologia para se encantar com "O Cheirinho do Amor - Crônicas Safadas", de Reinaldo Moraes, que a editora Alfaguara lançou neste mês.
Os puros e românticos que cheguem mais. E as pudicas recolhidas no claustro que se aprocheguem.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Reinaldo Moraes, que lança livro de crônicas safadas', relaxa em sua casa com sua gata tricolor, que quis sair na foto
Reinaldo Moraes, que lança livro de crônicas safadas', relaxa em sua casa com sua gata tricolor, que quis sair na foto

Mesmo a quem causa engulhos o contato direto com o "espumante código genético" do outro ou do perfume que os amadores tomam por bodum de "gadus morhua", haverá prazer a ser extraído da coletânea perpetrada por este troglodita sobrevivente da espécie, talvez o único hominídeo que ainda consiga fazer do sexo um tópico de conversação em tempos em que a profusão de imagens na internet transforma vocábulos em latidos e carícias em cliques do botão do mouse.

A saber: Reinaldo Moraes, 64, escritor com blindagem a prêmios literários, que até ontem garantia o seu fazendo traduções para a revista "National Geographic", por acaso, veja como é a vida, vem a ser uma espécie de James Joyce tapuia.

Seu épico, "Pornopopéia", que ele levou cinco anos escrevendo e lançou em 2008, é o livro definitivo da minha matilha, aquele que eu levaria para uma ilha deserta, sobre um herói mitológico (só que não), cercado pelas mesmas referências, os mesmos excessos e que arcou com as oportunidades perdidas que me são tão familiares.

Reverenciado pela crítica e bajulado por seus pares, após ter vendido respeitáveis 12 mil cópias de sua obra-prima, Moraes deveria morrer e deixar belo epitáfio. Ou publicar novo livro na sequência do esforço homérico.

Mas o que colocar na prateleira da livraria após produzir seu "Ulysses"? Não seria mais indicado um suicídio? Existe a honrosa saída de praxe: a publicação da coletânea daquelas crônicas que todo mundo já leu, certo?
Pois é. Só que, no caso de Reinaldo Moraes, sua coletânea de crônicas publicadas leva uma vantagem. Ela é praticamente inédita.

Não sei explicar e, quando nos encontramos, no início do mês, nem ele soube dizer como isso acontece, como pode um dos melhores de seu tempo, prosa magistral, humor refinado etc. não estar presente com regularidade na grande mídia.

Mas o fato é que, por algum motivo, Moraes colocou seu vasto talento à serviço do macho priápico nas páginas da revista "Status". A publicação ainda existe? Pois é.

Mesmo que a intenção de Reinaldo não coincidisse com a de (só pra ilustrar) Xico Sá, ou seja, falar sobre aquilo, nestas crônicas, porque escreve para uma revista masculina que mira o macho alfa, ele foi obrigado a relacionar temas sobre os quais teria eventualmente vontade de falar ao que ele chama carinhosamente de seu "romântico e disponível biroldo".

Poderíamos diferenciá-lo estilisticamente de Xico Sá. Reinaldo Moraes não se vê como progressista.

"Tirando o Barão de Itararé, que era comunista, não há comediante esquerdista na nossa literatura. A postura progressista implica um certo bom-mocismo, uma visão construtiva das coisas. Para se ter uma visão deletéria, para fazer humor com sexo, você precisa de uma tábua de valores conservadora", diz.

"Você precisa do interdito ao palavrão para que ele ganhe força". PQP, isto lá é bem verdade!

O elemento do vale-tudo, desde que utilizado dentro das normas de uma prosa impecável, está presente e sempre esteve em tudo o que Reinaldo Moraes produz. Nem que seja um bolo ou uma salada, imagino.
Daí as equivalências de palato: se o Xico Sá é um doce de coco, o eurocêntrico Reinaldo seria um steak tartare com raiz forte.

Carne crua. Muita ardência. Sem compromisso com o recato. Tudo ali na mesa. Um ninfomaníaco a la Von Trier. E sem ocultar seu evidente machismo.

O Cheirinho do Amor
Reinaldo Moraes
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Nestas crônicas, ainda muito fresquinhas (escritas de março de 2011 a março de 2014) há uma boa dose de generosidade e didatismo, experiências, viagens pelo mundo e banalidades do dia a dia compartilhadas.

Entre uma revelação sobre a atuação da CIA no Brasil e uma citação de Cortázar, você aproveita para se educar sobre a moça que vendeu a virgindade na internet ou a inutilidade da longa duração do orgasmo tântrico do Sting.

Para quem não aguentava mais de saudades do Zeca, o sacana rodrigueano de "Pornopopéia", eis a melhor oportunidade de se atirar do sofá de tanto rir.

O CHEIRINHO DO AMOR - CRÔNICAS SAFADAS
LANÇAMENTO seg. (24), às 18h30, na Livraria da Vila, r. Fradique Coutinho, 915, tel. (11) 3814-5811
Autor Reinaldo Moraes
Editora Alfaguara
Quanto R$ 29,90 (264 págs.)
Avaliação ótimo


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