Folha de S. Paulo


Eliane Caffé filma longa dentro de ocupação em SP

No saguão outrora pomposo do antigo hotel, ilustrações cobrem paredes, pneus recondicionados fazem as vezes de sofás e uma bandeira da Frente de Luta por Moradia projeta-se do mezanino.

O prédio, no passado o luxuoso Hotel Cambridge, em São Paulo, depois feito polo de baladas, foi ocupado há dois anos pela FLM, e nesta semana adquiriu sua última faceta: set de filmagem.

É ali que a diretora Eliane Caffé ("Narradores de Javé") grava "Um Passo para Ir", filme sobre a convivência de estrangeiros e brasileiros no interior de uma ocupação.

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
O set de filmagem do filme 'Um Passo para Ir', de Eliane Caffé
O set de filmagem do filme 'Um Passo para Ir', de Eliane Caffé

O longa, que deve ser lançado no final de 2015, tem elenco formado por atores profissionais –como José Dumont e Suely Franco–, e não atores, moradores da ocupação e refugiados da África e do Oriente Médio.

"Não queríamos trazer gente de fora e usar a ocupação apenas como cenário", comenta Caffé.

As mudanças no saguão de entrada foram apenas o começo. Desde que a produção do filme entrou em contato com o movimento, o prédio ganhou uma oficina de costura e uma lan house. Os cômodos e equipamentos, que servem de camarim e cenário, já são utilizados pelos moradores.

"Se eles não se apropriassem do filme, não conseguiríamos fazê-lo, pois este lugar é uma zona de conflito", comenta a diretora sobre o edifício, que hoje abriga 160 famílias, segundo a FLM.

Para formalizar a parceria, a ONG Apoio, que trabalha com a FLM, tornou-se coprodutora do projeto, ao lado da Aurora Filmes e da francesa Tu Vas Voir (de "Diários de Motocicleta"). O orçamento autorizado pela Ancine é de R$ 3 milhões –metade do valor foi captado até agora, via patrocínio da Petrobras e da Prefeitura de SP.

VIDA REAL

O recorte final da trama foi feito quando Caffé percebeu que o problema da moradia era um ponto em comum entre estrangeiros recém-chegados e brasileiros.

"Eles saem de seus países como advogados e economistas. Quando chegam aqui, o primeiro contato que fazem é com as classes sociais de menor poder aquisitivo", diz.

O congolês Guylain Mukendi Lobobo, que interpreta um dos protagonistas, era professor em uma universidade na República Democrática do Congo. Chegou ao Brasil como refugiado no primeiro semestre e hoje trabalha em uma rede de supermercados. Suas diárias no trabalho foram negociadas para que pudesse conciliar com as gravações.

Outra personagem é Carmen Silva, uma das lideranças da FLM, que interpreta o papel dela mesma. Perguntada sobre a experiência, responde sem hesitar: "A vida da gente é uma atuação".


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