Folha de S. Paulo


Obra mapeia origens do tráfico de escravos

"Vocês não vão ficar para o Carnaval?", ouviu o fotógrafo César Fraga, em Lagos, capital da populosa Nigéria.

Idealizador e autor das fotos do livro "Do Outro Lado", ele percorreu, junto com o historiador Mauricio Barros, nove países africanos para mapear a rota do tráfico de escravos para o Brasil entre os séculos 16 e 19. "Parecia o Carnaval do Rio", conta ele, com forte sotaque carioca.

Mulheres e homens fantasiados, dançando e tocando instrumentos de percussão, passam pelas ruas da cidade.

A única diferença é, segundo os brasileiros, a música —foliões nigerianos dançam embalados por ritmos eletrônicos.

As influências não param por aí. No bairro Brazilian Quartier, em Lagos, de maioria islâmica, uma mesquita tem o curioso nome de "Salvador". Barros explica que muitos dos negros que voltaram à cidade vieram da capital baiana, expulsos após a Revolta dos Malês, em 1835.

NÃO-RETORNO

Os autores viajaram para Guiné-Bissau, Cabo Verde, Senegal, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Angola e Moçambique em busca dos "lugares de memória", monumentos materiais e imateriais da época do tráfico transatlântico.

Encontram correntes, alçapões, celas e também as chamadas "portas do não-retorno", último umbral por onde passavam os escravos antes de serem embarcados à América.

Mas a maioria das fotos de "Do Outro Lado" traz coloridos rituais dos povos visitados, encontrados ao acaso.

No Benim, que Fraga afirma ser "a Disneylândia dos fotógrafos", toparam, por exemplo, com uma procissão de mulheres que acontece a cada 24 anos para homenagear Dan, a divindade vodu da prosperidade e da riqueza.

Na Nigéria, um susto: o motorista contratado pela agência de viagens estava sem documentos do carro e tentou furar um bloqueio policial na estrada. "Foi todo mundo em cana no interior do país", conta.

Levados ao posto policial, foram liberados sem mais explicações —ele diz ter descoberto depois que o guia havia pagado propina aos guardas.

"Do Outro Lado", no entanto, não foca nas dificuldades da viagem ou na pobreza –embora ela acabe aparecendo.

Barros lembra a escritora nigeriana Chimamanda Adichie, para quem uma história com foco apenas na miséria da África apaga as outras características do continente.

"A gente já vê tanta coisa ruim vinda de lá, não quisemos mostrar miséria", explica o fotógrafo.

DO OUTRO LADO
LANÇAMENTO quinta (20), às 10h, no Museu Afro Brasil, av. Pedro Álvares Cabral, Parque Ibirapuera; tel. (11) 3320-8900
AUTORES César Fraga e Mauricio Barros
EDITORA Olhares
QUANTO R$ 80 (240 págs.)

CONSCIÊNCIA NEGRA
Eventos no feriado

Besouro
Exibição do longa "Besouro", de 2009, sobre Ailton Carmo, capoeirista lendário
quando às 16h (retirada de ingresso às 15h)
onde MIS, av. Europa, 158; tel. (11) 2117-4777

Mandela
Exibição do documentário "Mandela: Filho da África, Pai de uma Nação"
quando às 19h
onde Caixa Belas Artes, r. da Consolação, 2423
quanto R$10

OBÁ
Festa em homenagem a Dandara Zumbi, mulher de Zumbi dos Palmares
quando às 23h
onde Confraria Nossa Casa, r. Belmiro Braga, 202
quanto R$15


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