Folha de S. Paulo


Chegada da Amazon aquece debate no mercado sobre o preço fixo do livro

A gigante americana Amazon ainda está mais para nanica no Brasil, onde vende livros impressos há três meses, mas editores e livreiros temem esperar para ver a varejista crescer ao ponto de monopolizar o mercado, como acontece nos EUA e a Inglaterra.

Após anos de discussões sobre uma legislação que estipule o preço fixo para o livro, e apesar de o tema ainda dividir o mercado, um projeto de lei deve ser apresentado em Brasília em 2015. A iniciativa será da senadora eleita Fátima Bezerra (PT-RN), com apoio da Associação Nacional de Livrarias (ANL).

As leis de preço fixo, em vigor em países como a França e a Espanha, impedem as lojas de darem descontos acima de 5% em lançamentos. Os grandes descontos, comuns às redes —que, ao comprar mais livros dos editores, conseguem adquiri-los e repassá-los ao consumidor por preços mais baixos— são considerados prejudiciais às livrarias independentes.

Antes de a discussão chegar ao Senado, nesta segunda (17) e nesta terça (18), no Rio e em São Paulo, dois seminários debaterão o tema —o segundo será capitaneado pela ANL, antiga defensora da lei do preço fixo, mas a surpresa fica por conta do primeiro encontro, coordenado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), que por anos foi contrário à proposta.

"O Snel sempre acreditou que o preço é uma ferramenta de marketing e, como tal, pode ser utilizado como impulsionador de vendas. Está aí a Black Friday, em que promoções trazem resultados incríveis. Mas temos recebido queixas dos pequenos livreiros, que sofrem com a pressão da concorrência. Daí um seminário para entender como funciona o modelo em mercados mais maduros que o nosso", diz Sônia Jardim, presidente do Snel.

'A HORA É AGORA'

O seminário carioca reúne nesta segunda palestrantes de países que adotam a prática, como França e Alemanha, ou já adotaram, como a Inglaterra.

Entre os participantes, o britânico Sam Edenborough, presidente da Associação de Autores e Agentes do Reino Unido, país em que um acordo comercial para o preço fixo vigorou de 1890 a 1997, afirma que, se o Brasil quiser implantar uma lei, deve fazê-lo já.

"Há uma janela estreia de oportunidade no Brasil —e a hora é agora— para introduzir uma lei do preço fixo. Isso poderia estabilizar a indústria e impedir a Amazon de construir uma posição extremamente dominante. Nos EUA e no Reino Unido ela [a Amazon] fez isso; na Alemanha, na França e em outros países que têm regulamentação, ela não conseguiu", diz o especialista.

Para ele, uma lei protegeria autores, editores, livreiros e consumidores —que teriam mais títulos a escolher. "O importante é que os consumidores entendam por que a lei pode ser necessária e como poderia beneficiá-los."

Ednilson Xavier, presidente da ANL, diz que a regulamentação pode até baratear o livro. "Havendo mais livrarias para o escoamento do livro, este pode ser barateado pela escala." Para ele, um dos perigo dos grandes descontos é que eles reduzem a bibliodiversidade.

ERA DOS DESCONTOS

Um exemplo desse cenário pôde ser percebido no Reino Unido nas últimas décadas, desde que, em meados dos anos 1990, alguns editores abandonaram o acordo comercial que estabelecia o preço fixo.

"Com o fim do acordo, começou uma era de grandes descontos, especialmente nos best-sellers. Os editores passaram a focar em títulos mais comerciais —ficção de massa, biografias de celebridades, livros de filmes. O alcance e a diversidade dos livros sofreu, e essa situação permitiu que um único varejista passasse a dar as regras", diz Sam Edenborough, que não vê mais possibilidade de um novo acordo no Reino Unido.

O seminário do Snel reúne ainda nomes da França, onde uma lei permite descontos de apenas 5% até dois anos depois do lançamento, e da Alemanha, onde o controle é exercido pela indústria, mas não trouxe nenhum especialista dos EUA, que nunca exerceu controle do tipo.

A presidente do Snel, Sônia Jardim, tem dúvidas sobre qual modelo seria mais efetivo no caso de adoção no Brasil —na avaliação dela, o alemão seria o mais adequado, já que pode ser mais facilmente revertido caso não funcione.

"Mas não sei, por exemplo, como ficariam eventos promocionais, como as bienais do livro ou datas específicas. O desconto ficaria limitado ao previsto pela lei?"


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