Folha de S. Paulo


Análise: Manoel de Barros criou poesia com sintaxe própria

"Gravata de urubu não tem cor". "Com cem anos de escória uma lata aprende a rezar". "O esplendor da manhã não se abre com faca".

Mesmo quem não está familiarizado ou diz não simpatizar muito com a linguagem poética reconhece a autoria destes versos: são de Manoel de Barros. Ou melhor: são Manoel de Barros.

O autor conseguiu, ainda em vida, atingir uma das maiores aspirações de um escritor: ser reconhecido por sua linguagem, imprimir personalidade às palavras, de tal forma que elas sejam identificadas sem sua assinatura.

O nome geral que atribuiu à língua que criou é "vanguarda primitiva", uma contradição em termos que denota muito bem sua marca.

Trata-se de uma poesia incrustada na terra e na natureza, sempre reiterando a inutilidade imanente das coisas em estado de poesia, mas que, nem por isso, deixa de ser requintada, no limite da economia e da precisão.

Neste sentido, como ele mesmo dizia, Manoel de Barros está mais próximo de Oswald de Andrade do que daquele a quem é mais associado, Guimarães Rosa, devido à invenção de neologismos e subversões gramaticais, como "limpamento", "desviação", "estâmago", que se tornaram o selo de sua poesia.

Mas sua obra vai além desse traço que, aliás, não é bem traço, mas uma necessidade dos poemas. Entendendo que palavras e natureza guardam relações de identidade só recuperáveis pela poesia, ele percebeu a simbiose entre elas, de tal forma que muitas vezes não se pode separá-las.

O que poucos sabem é que o poeta foi comunista ferrenho, chegando a romper com Luis Carlos Prestes quando este se aliou a Getúlio Vargas. Viveu no Peru, na Bolívia e em Nova York, onde estudou cinema e foi revelado nacionalmente por Millôr Fernandes, na década de 80.

Manoel de Barros professava a poesia como razão da desrazão, utilidade do inútil. E quem há de negar que as palavras úteis e lúcidas nos afastam do lugar aonde dizíamos que queríamos chegar?


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