Folha de S. Paulo


Mágica do Deep Purple é 'questão de química humana', diz Ian Gillan

O Deep Purple, que se apresenta hoje e amanhã (11 e 12) no Espaço das Américas, em São Paulo, é a banda que mais vezes tocou no Brasil. Ao final desta turnê brasileira, no dia 15, terão sido 68 apresentações desde 1991.

O segredo da magia do grupo formado em 1968, segundo o vocalista Ian Gillan, é um só: química humana. "Num escritório, numa família, num time de futebol, às vezes a mescla de personalidades é perfeita e traz à tona o melhor de cada um", diz ele. Longe vão os tempos de caras amarradas entre membros do grupo, especialmente entre ele próprio e o genial e genioso guitarrista Ritchie Blackmore, que deixou o grupo em 1993.

Há vinte anos, desde a chegada do guitarrista Steve Morse, o Deep Purple passou a ser uma banda mais unida. Há 11 anos, desde a chegada do tecladista Don Airey, a banda também se tornou uma das que mais acumulam milhagem em turnês internacionais. "A vida para mim é uma longa turnê", diz Gillan, 69.

Mas esqueça o "idadismo", como diz Gillan: eles fazem questão de continuar produtivos. Uma das canções do disco "Now What?!", de 2013, contrasta a sabedoria da tartaruga de Zenão à pressa de Aquiles, numa espécie de metáfora do que mudou nos velhos roqueiros com a maturidade. Gillan trocou as demonstrações olímpicas de alcance vocal dos anos 70 por uma criação mais reflexiva, embora sem perder a pegada. "Quando nos perguntam por que não fazemos uma nova 'Highway Star', respondemos: pra quê?"

Ele conversou por telefone com a Folha antes de partir em turnê, na casa onde se retira para escrever em Portugal, cercado por montanhas, pelos sons da natureza e pela boa mesa.

Fabian Bimmer - 1º.ago.2013/Reuters
Ian Gillan, vocalista do Deep Purple, em agosto de 2013
Ian Gillan, vocalista do Deep Purple, em agosto de 2013

Folha - O que podemos esperar desta turnê?

Ian Gillan - A ideia básica do que é um show do Deep Purple não mudou desde 1969 [ano em que ele e o baixista Roger Glover entraram no grupo]. Basicamente, fazemos uma combinação de material velho e material novo. Temos umas três ou quatro músicas do novo disco, claro, e uma combinação de coisas que as pessoas querem ouvir, de coisas que elas não tinham ouvido antes e, claro, as jams, o improviso, que é a coisa mais importante.

E quais são os ingredientes, em sua opinião, da magia da banda?

Honestamente, não sei. É uma questão de química. Química humana. Algumas famílias se dão bem. Num escritório, num time de futebol, às vezes a mescla de personalidades é perfeita e traz à tona o melhor de cada um. Acho que, se você tem uma situação onde alguém é dominante demais ou é um ponto fraco, esse equilíbrio se perde. A ideia é apoiarmos uns aos outros - quando alguém toma as rédeas do palco, os outros dão um passo atrás para dar apoio. Na maior parte do tempo sempre foi meio assim. É só química humana. Às vezes nos perguntam por que não fazemos uma nova "Highway Star" [canção de 1972 que costuma abrir os shows da banda]. A gente responde: pra quê?

Vocês já fizeram.

Estamos sempre procurando algo novo e sempre procurando algo interessante. Assim é que funciona. Nunca pensamos a respeito, só fazemos.

No ano que vem, você completa 50 anos de carreira profissional. Garth Rockett [pseudônimo de Gillan em sua primeira banda, na adolescência] imaginava que sua geração continuaria tocando rock com sucesso depois dos 60 anos de idade?

Sabe de uma coisa? É estranho, porque tirando o jovem Elvis Presley e o Little Richard, vários dos músicos que eu admirava naquela época eram gente como Ella Fitzgerald ou Wes Montgomery. Eles já eram sessentões naquela época! Eu nem pensava na idade deles. Não tinha "idadismo" - tipo, ah, você não pode fazer isto ou aquilo. Sempre soube que eu seria um cantor para sempre, porque eu era um cantor aos cinco anos no coral da igreja. Sempre presumi que só vou parar quando eu morrer. Mas olha só: eu não fazia ideia de que eu teria sucesso. Essa é outra história.

Neste ano, vocês participaram de um concerto beneficiente em homenagem a Jon Lord (1941-2012), primeiro tecladista do grupo. "Now What" tem duas faixas em homenagem a ele. Qual o legado de Lord no Deep Purple?

É a química humana. Alguns tecladistas têm influência do jazz. Outros têm influências pop. Jon era influenciado pela composição orquestral, e também era um grande fã de Jimmy Smith, que fazia harmonias de jazz no teclado Hammond. Don Airey, seu sucessor, tem o mesmo tipo de background, então a troca foi perfeita. No dia da passagem de bastão, Jon tocava o teclado e passava diretamente para Don [o show está registrado na caixa "Around the World Live"]. Jon nos deu o jazz e a composição orquestral. Ian Paice [baterista] nos deu a levada das big bands. Roger [Glover, baixista] nos trouxe a música Folk. Ritchie [Blackmore, o primeiro guitarrista] era um músico de estúdio, então ele trouxe uma imensa variedade de coisas. E o meu negócio era o rock, a música soul e o blues.

Ninguém nunca o encontrou em redes sociais como o Facebook e o Twitter, onde outros músicos são muito ativos. Você evita as redes sociais ou fica só observando no anonimato?

Não é para mim. Cara, mal dá pra escrever duas frases nas mídias sociais, e eu gosto de escrever coisas longas. Tenho meu website (www.gillan.com), onde coloco minhas ideias em artigos, desenvolvo temas. E eu tenho amigos suficientes, então não preciso me relacionar com vários estranhos, sabe? Isso é da geração da minha filha; ela está no Facebook e adora. Mas ninguém que eu conheça da minha geração, tirando gente que quer chamar a atenção, está no Facebook ou no Twitter. Ninguém que eu conheça. A gente se comunica de outros jeitos: escreve, telefona... quando tem algo a dizer! (risos)

Você se preocupa muito com sua imagem pública?

Eu sou um cara naturalmente quieto, Curto a vida, curto festas, curto conversar com os amigos. Cresci tomando cerveja e batendo papo. Eu me interesso por política e cultura internacionais, acho um assunto fascinante. Ponho muita coisa das minhas experiências e das minhas viagens ao redor do mundo nas letras que escrevo. Minha vida certamente não é o que as pessoas esperam de um cantor de rock, mas sou um sujeito realizado.

DEEP PURPLE - NOW WHAT?!
QUANDO 11/11 e 12/11, às 22h
ONDE Espaço das Américas, r. Tagipuru, 795, tel. (11) 3864-5566
QUANTO de R$ 200 a R$ 400 (ingressorapido.com.br)
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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