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Moda sofre com escassez de artesãos; tecelã mineira fez fama de grifes

Pedro Diniz/Folhapress
A costureira, tecelã e professora de técnicas artesanais dona Anézia, diante de seu tear
A costureira, tecelã e professora de técnicas artesanais dona Anézia, diante de seu tear

Dona Anézia é a tecelã mais conhecida do Brasil. Primeiro, porque viajou pelo país ensinando as técnicas que pouca gente domina hoje como ela. Segundo, porque foi parar na TV, em 1993, interpretando a si mesma e fazendo o que mais gosta de fazer na novela "Fera Ferida".

Aposentada, com a acuidade visual reduzida e dificuldades para se lembrar de datas, Anézia Rosalina dos Santos Freire, 86, recebeu a reportagem na sua casa na pequena Carmo do Rio Claro (382 km de Belo Horizonte). Lá, a artesã que fez fama e fortuna de grifes mineiras de moda festa vende colchas e tapetes fiados por ela a não mais de R$ 200 a peça.

Na parede, uma foto dela ao lado da atriz Giulia Gam a faz lembrar sempre da época em que recebia "quatro salários mínimos" por ida ao Rio para gravar e mostrar à produção da novela "como trabalhar a lã, o tear e a roca".

Dona Anésia treinou professores do curso de têxtil da USP, além de costureiras, bordadeiras, fiadeiras e tecelões não apenas em Minas.

"Até um tempo [anos 1980] os tecidos eram feitos à mão, todo mundo queria tocar e ver aqui em casa esse trabalho. Faziam fila para aprender e para comprar. Hoje, tem gente que eu ensinei e que produz tudo em tear elétrico e diz na etiqueta que é manual. É muito triste", diz a tecelã, que aprendeu com a mãe as técnicas de fiação trazidas ao país por escravos.

O Estado de Minas Gerais vem perdendo, ano após ano, a mão de obra responsável pelo artesanato que faz sucesso nos desfiles e nas lojas de grifes como as dos estilistas mineiros Ronaldo Fraga, Patricia Motta e Patricia Bonaldi, para citar três nomes de peso da moda nacional.

"É cada vez mais difícil manter na fábrica uma mão de obra qualificada, principalmente pelos custos elevados de uma produção pequena como é a nossa", salienta a estilista Patricia Motta, que é especialista em couro e um dos destaques do evento de desfiles e negócios MTB (Minas Trend Preview), maior evento de moda do Estado.

BORDADOS E TECIDOS

O MTB fez sua última edição em outubro e teve crescimento de 44% em relação à anterior. A feira reuniu 220 marcas, a maioria mineiras.

Os bordados e tecidos das roupas, dizem empresários de marcas como Vivaz e Fabiana Milazzo, são produzidos manualmente em confecções mineiras terceirizadas.

O estilista Ronaldo Fraga, responsável por elevar à condição de arte o trabalho mineiro, diz ter medo de, em breve, ser obrigado a importar tecidos manuais por não haver mais mão de obra capacitada. "Infelizmente vou ter de ajustar minhas expectativas para o futuro", afirma.

Para tentar combater a escassez de artesãos, foi selada parceria entre a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e o Sebrae, que tem levado escolas móveis de confecção ao interior de Minas. As regiões norte e sul do Estado são as com maior concentração de artesãos, diz Henrique Azevedo, superintendente da Fiemg.

"Nosso ideal é fazer o jovem voltar a ter orgulho de ser artesão". Mas ressalva: "O problema é que o pai que tinha gosto por trabalho manual é o primeiro a desestimular o filho, com a ideia de que ele ganhará pouco, quando um bom costureiro ou artesão está voltando a ser disputado no mercado".


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