Folha de S. Paulo


Taylor Swift dá adeus ao country no disco '1989'

Por quase uma década, Taylor Swift esteve envolvida em uma guerra da qual está saindo vitoriosa, e não parou de sorrir durante todo esse tempo.

A música country vinha sendo —ou foi— uma inimiga natural para ela: tradicionalista, de evolução lenta, assolada pelo machismo. Swift quebrava regras e causava nervosismo simplesmente por estar lá. Mas o country também serviu como hospedeiro hospitaleiro.

Ela não enfrentava praticamente concorrência direta alguma no gênero, e o country tem por hábito aceitar o sucesso, ainda que muito a contragosto.

Jamie McCarthy/AFP
Taylor Swift Performs se apresenta no
Taylor Swift se apresenta no "Good Morning America" na Times Square,em Nova York, nesta quarta (30)

O mais importante é que o country conferiu contexto a Swift. Fez dela uma transgressora, o que significa que até mesmo suas canções mais benignas podem ser lidas como se dotadas de intenções travessas. De fora, ela parecia um gigante conquistando o território.

Mas de dentro, mesmo que tenha se tornado a maior estrela desse ramo da música, ela sempre foi uma espécie de azarão, apesar de todos os prêmios e dos múltiplos discos de platina.

Que ela um dia abandonaria o country estava claro há muito tempo. Afinal, embora a caixa do gênero seja grande e porosa, é uma caixa mesmo assim. Em "1989" (Big Machine), porém, seu quinto álbum e o primeiro no qual não se incomoda em nada com o country, a cantora consegue encontrar um novo inimigo.

Repleto de canções ardilosamente construídas —e um tanto castradas— sobre decepções amorosas, "1989", que sai na segunda-feira, não se anuncia como combativo. Mas existe um inimigo implícito nesse álbum arejado e efetivo: o resto do pop convencional, com o qual o disco nada tem em comum.

Os astros pop modernos —os brancos, quero dizer— em geral se ajeitam emulando a música negra. Pense em Miley Cyrus, Justin Timberlake, Justin Bieber. No ecossistema atual, Katy Perry provavelmente é a estrela menos dependente do hip-hop e do R&B para criar seu som, mas o maior de seus hits recentes tinha o rapper Juicy J como convidado: nem ela está imune.

Swift, porém, não quer saber de nada disso: aquilo que ela não faz em seu novo álbum é tão importante quanto o que faz. Não há produção por Diplo ou Mike Will Made-It, e nenhuma participação especial de Drake ou Pitbull.

A ideia de música pop que ela propõe remonta a um período —a metade dos anos 80— no qual o pop era menos abertamente híbrido. A escolha permite que ela demarque um território popular sem ter de se preocupar com seguir as mais recentes microtendências, e sem que seja acusada de apropriação cultural.

Que Swift deseja ser deixada de fora desses debates fica claro com o vídeo do primeiro single do novo trabalho, "Shake it Off", no qual ela se cerca de dançarinos de hip-hop de toda ordem e tropeça a cada passo. Mais adiante no vídeo, ela se cerca de pessoas comuns e todo mundo se chacoalha de um jeito relaxado, sem esforço para parecer bacana.

Está vendo o que Swift fez, com isso? A cantora que tem a maior probabilidade de liderar os rankings de venda do ano criou uma narrativa para si mesma na qual ela continua do lado de fora.

Ela é sempre a desastrada em meio a um grupo de especialistas, a pessoa acessível em um mar de gente que faz de tudo para manter a pose, a garota de cidade do interior aprendendo seu caminho na cidade grande.

Nesse sentido, a mais importante decisão que Swift tomou nos dois últimos anos nada tem a ver com a música: ela comprou um apartamento em Nova York, pagando US$ 20 milhões por uma cobertura em Tribeca.

Foi uma metamorfose lenta, a culminação de um processo que demorou anos e a levou a deixar Nashville para trás, e durante o qual Swift entrou na mira dos tabloides como qualquer outra estrela de alcance mundial.

Mas isso também lhe ofereceu a oportunidade de um vez mais ser vista como ingênua. Em Nashville, ela aprendeu todas as regras e todos os atalhos. Agora que isso ficou mais ou menos para trás, ela está livre para criar o filme de John Hughes que sua imaginação demanda. E é isso que "1989" representa.

O álbum começa por "Welcome to New York", uma celebração cintilante, ainda que um pouquinho opaca, sobre a liberdade de se perder em Gotham: "Todo mundo aqui era outro alguém antes/ E você pode ser quem deseja ser". (Como gesto de tolerância, a letra fica cerca de 10 passos atrás de "Follow Your Arrow", de Kacey Musgraves.)

Swift nunca foi o tipo de compositora que pede permissão, em sua carreira, mas há muito ela se vê como estranha à fama em larga escala que Nova York significa. "Um dia vou viver em uma grande cidade", ela atacou um crítico em "Mean", de "Speak Now", seu álbum de 2010; e lá está ela, fazendo dos holofotes de Nova York a luz de seu espelho.

Nesse novo palco, Swift vem prosperando. E o mais importante é que ela está, de algum modo, sozinha, e não é parte de nenhum movimento pop do momento. Ela se distanciou e, implicitamente, se colocou acima de tudo isso.

A era do pop que ela canaliza aqui era uma colisão entre escrotidão e romantismo, entre o humano e o digital. Mas a voz de Swift quase nada tem de sórdido. O vocal de Swift no novo trabalho é liso e polido. O álbum, cujo título é referência ao ano em que ela nasceu, tem Swift e Max Martin como produtores executivos, e ela compôs a maioria das canções em parceria com Martin e seu parceiro Swede Shellback.

Os dois ajudaram a dar forma à última década do pop, mas o notável aqui é o quanto seu trabalho é contido. Nathan Chapman, veterano parceiro de Swift, produziu "This Love", uma balada que cairia bem na trilha sonora de "Hunger Games: Catching Fire", e é a única canção do disco que poderia ser incorretamente percebida como concessão ao country.

As melhores canções de desafio ao country no álbum anterior de Swift, "Red" - especialmente "I Knew You Were Trouble", outra colaboração com Martin e Shellback —também eram um avanço na direção de um som pop avançado. Swift tem muitos encantos, mas forçar limites nem sempre esteve entre eles.

E no entanto canções como essa a mostravam como alguém mais disposta a correr riscos do que no passado, e esperta o bastante para saber que os fãs a acompanhariam.

No entanto, essa atitude de vanguarda não está presente em "1989", que é em geral formado por canções animadas e tensas nas quais a cantora pisoteia o que quer que ainda restasse de sua inocência juvenil.

A Taylor Swift desse álbum é selvagem, seca e direta. O ponto alto é "Style", que relembra a trilha sonora do seriado "Miami Vice" original, com sintetizadores quentes e vocais amortecidos: "Meia-noite/ Você chega e me apanha/ sem faróis", ela canta, insinuante, na abertura da faixa.

Quando chega o refrão, ela adota um tom de flerte, mas quando a parte principal da letra retorna Swift soa cética e um tanto amarfanhada.

Ela sempre costumou cantar como se estivesse falando, preferindo a intimidade à potência e à nuança, mas em "1989" Swift usa sua voz —processada eletronicamente como nunca antes— de maneiras diferentes do que fazia no passado: veja a confiança falsamente tímida com que ela muda de marcha no caminho para a ponte em "Shake it Off", com o verso "but I keep cruising", que transforma a canção de uma expressão de alegria juvenil em uma poderosa libertação.

Ou a forma pela qual ela estica longamente o "e" de "beat", em "Welcome to New York", ou os backing vocals provocantes e juvenis em "All You Had to Do Was Say".

Sua virada vocal mais pronunciada é em "Wildest Dreams", uma história suarenta e sombria de amor perigoso. Na parte principal da letra, Swift canta com voz sonolenta, como se quisesse seduzir ou tivesse acabado de acordar: "Eu disse que ninguém precisava saber o que a gente faz/ As mãos dele no meu cabelo/ As roupas dele no meu quarto".

Depois, no refrão, ela salta uma oitava para o agudo, com gritos de êxtase, antes de voltar para baixo das cobertas.

No novo álbum, as composições de Swift não são tão microdetalhistas quanto no passado, e em lugar disso abordam a decepção amorosa com lentes de foco mais largo, como em "This Love".
"Virando, me debatendo, brigando a noite toda com alguém novo/ e eu podia continuar, e continuar, e continuar/ lanterna, brilhando, um relampejo em minha mente só por você/ mas você continua longe, longe, longe"

E embora certamente existam referências aos relacionamentos muito alardeados de Swift, o álbum em geral tem menos cara de diário do que seus trabalhos anteriores.

Mas não preste atenção ao alvo das queixas da bela: o que importa é a alegria com que ela se queixa. Um exemplo é a esperta "Blank Space", uma metanarrativa sobre a reputação de Swift como namorada horrível:
"Vi você lá e pensei/ meu Deus, olhe aquele rosto/ você tem cara do meu próximo erro/ o amor é um jogo, quer jogar?"

Isso é Swift em sua melhor forma: divertida, experiente, e um modo de expressar tanto seu poder quanto sua contenção. Em contraste, as canções em que ela aparece menos cínica - "How You Get the Girl", "Welcome to New York" —estão entre as menos efetivas do álbum.

É difícil para Swift continuar a vender ingenuidade; ela é conhecida demais, e boa demais naquilo que faz. Isso é, provavelmente, pelo menos parte do motivo para que a edição especial do álbum inclua três curtas gravações feitas por Swift em seu telefone que mostram trechos das canções em seu formato inicial.

Elas existem como presentes para fãs obsessivos mas também como uma maneira de se vangloriar, expondo sua competência como compositora e seu jeitinho de "não estou nem aí".

"I Wish You Would" a mostra cantando sem manipulação vocal alguma, e ainda que as letras de "I Know Places" e "Blank Space" tenham mudado muito entre o estágio inicial e a versão final, fica claro que as melodias estão intactas e eram fortes desde o começo.

Existem algumas canções nas quais a produção domina: as duas que ela compôs e produziu com Jack Antonoff (das bandas Fun e Bleachers), "Out of the Woods" e "I Wish You Would", irrompem com baterias fortes, sintetizadores espertos e guitarras quentes, e "Bad Blood" tem uma bateria barulhenta como as de Billy Squier, que o hip-hop usa muito para samples.

Mas essas são as exceções. Swift sempre pensou primeiro na melodia, e se ela quisesse ter entregue o controle a um produtor e som do momento, poderia ter escolhido diversos caminhos mais óbvios, ou ficado no country, que hoje em dia tem tanta influência do hip-hop quanto o rock. (Vale apontar que há expressões modernas espalhados pelas letras —como "this sick beat", "mad love" e "the players gonna play, play, play, play, play/and the haters gonna hate, hate, hate, hate, hate", no refrão de "Shake it Off -, ainda que elas estejam presentes só para sublinhar o quanto Swift parece deslocada ao cantá-las.)

Mas ao produzir um álbum pop quase sem referências contemporâneas, Swift está em busca de algo maior, um trabalho descolado de seu momento ao qual poucas estrelas pop - excetuada alguém como Adele, cujos dotes vocais requerem essa abordagem - ousam aspirar.

Todos os outros que aspirem ao "som do agora" terão que mudar de marcha quando este som mudar. Mas não Swift, que está travando (e vencendo) uma nova guerra, ainda que jamais admita estar combatendo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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